quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Vulneráveis

Por Eliel Moura

Eu estava em frente à TV quando a fatídica notícia veio à tona. MacGyver era o protagonista de uma série de ação (Profissão: perigo) transmitida em meados da década de 1980 e 90. Eram fascinantes suas peripécias e na minha mente de criança ele era o melhor que nós tínhamos: um herói que sempre dava um jeito de escapar e vencer, não tendo quase nada em mãos! Nós o conhecíamos pelo nome abrasileirado de Magaiver! Neste dia, como usualmente, estava assistindo a mais uma de suas ousadas aventuras. De repente, escutei o comentário, demasiado confuso pra mim. “Como assim a voz do Magaiver não é a voz do Magaiver?”, eu indaguei. Minha mãe, numa explicação difícil de ser recebida usou o termo dublagem para avançar no esclarecimento. A situação agravou-se ainda mais quando ela concluiu dizendo: “Magaiver fala inglês e não português”. Só fiquei realmente convencido depois da dica, para que eu reparasse atentamente na fala do personagem. Foi duro constatar que às vezes ele mexia a boca depois de já ter falado tudo, e que, outras tantas, ele incrivelmente falava com a boca já fechada!

É claro que meu mundo não caiu e nem precisei de seções de análise para me recuperar! Crianças descobrindo o mundo não têm tempo pra isso e eu já tinha sobrevivido à descoberta alarmante de que quando andava no carro do meu pai, a lua não estava nos seguindo! O que mudou naquele dia foi que, no momento em que Magaiver “perdeu a voz”, ele deixou de ser intocável, saiu do roll dos super-heróis e da fantasia. Já não era mais alguém extraordinariamente indestrutível, até manipulavam sua verdadeira voz! Depois da decepção, continuei não perdendo nenhum de seus episódios, que ainda eram singulares!

O tempo passou e observo até hoje a desconstrução de mitos, a queda de heróis, a fraqueza de gigantes... É algo recorrente, assim como o nascer e o pôr do sol. Seja no oriente, seja no ocidente, há sempre um poderoso homem revelando-se pequenino. Desde sanguinários ditadores até presidentes, chefes de Estado e estrelas de cinema: temos exemplos, em todas as áreas, de pessoas aclamadas como inatingíveis e que declinaram. O que mais me chama a atenção não é a constância destes eventos: surpreendo-me com o fato de ainda ficarmos surpresos! Digo isto porque, a experiência deveria nos ter ensinado que não é razoável colocar homens num lugar onde só Deus pode, satisfatoriamente, estar.

Palavras como frustração e desgosto são primárias quando descobrimos a humanidade em pessoas antes vistas como inabaláveis. Na mesma velocidade com que construímos a redoma ascética que as separavam do restante dos mortais, canalizamos nossa revolta na construção de buracos, destinados ao funeral, quando das suas falhas. Tão logo finda a cerimônia de sepultamento, nosso imaginário esta pronto para eleger o próximo “santo” numa voracidade assustadora. Este indivíduo - a bola da vez - sofrerá bastante. Será puxado de um lado para o outro, fará milagres e mais milagres, alimentará multidões, mas insistentemente elas voltarão famintas, ávidas por mais milagres, mais comida, mas respostas, mas consolo... Não conheço nenhum destes “santos” que não tenha sucumbido de uma maneira ou de outra.

Sucumbir pode ser maravilhoso! Como um grito da alma dizendo: pare com isto, eu sou vulnerável! Para os cristãos é a confissão de que, o lugar que é de Jesus continua separado e que cabe a nós somente compartilhar do seu cálice, não bebê-lo todo! É também a destruição dos postes-ídolos que levam nossa própria imagem e que nos ovacionam como deuses. Sucumbir neste caso não é cair em pecado para que todos vejam o quanto somos falhos, pelo contrário, é não pecar deixando bem claro nossas fraquezas e fragilidades. Na renúncia ao triunfalismo que constrói personagens cristãs que dão muita audiência, vem à tona a verdade: não passamos de “um sono, como a relva que floresce de madrugada; de madrugada viceja e floresce, à tarde murcha e seca” (Sl 90:5 e 6). Felizes os que vencem as massas beatificantes com as marcas da vulnerabilidade, estão desta forma, protegidos de tão grande queda! Felizes também os que não constroem para si ídolos humanos, e os que rejeitam uma espiritualidade separada da premissa de que somos todos pecadores. Ser um referencial nas escrituras nunca foi o sustentar de um título de infalibilidade ou o ter uma austera capa de supra- humanidade. Lembramos, pelo contrário, de homens quebrantados e contritos que caminhavam com Deus.

Sucumbir pode ter um lado trágico também. Isto se dá quando realmente acreditamos nas vozes da multidão e no seu imaginário tecido a nosso respeito. É quando realmente achamos que somos intocáveis e que chegamos a um lugar inatingível. A mentira vira verdade e o sofisma cauteriza a mente. Um caso exemplar nas escrituras esta em Êxodo, lá vemos Faraó sendo vencido por Moises e seu Deus. Destaca-se o fato de que Faraó, naquela sociedade, era considerado um deus, a própria personificação da divindade egípcia Rá. Um dia ele teve que abrir os olhos à realidade, ele não era soberano e o Deus verdadeiro o estava esmigalhando diante de todos os seus súditos, o humilhando na sua soberba. Neste segundo modo de queda, não reconhecemos nosso papel de coadjuvantes e pensamos poder ser Deus, ou pelo menos imaginamos poder fingir ser um. Depois de criada a máscara de perfeição, há um alto custo para mantê-la de pé e todos que tentam este caminho começam a definhar por dentro antes mesmo que os sinais exteriores enfim venham à tona. Deus não divide sua glória com ninguém e sucumbimos por bem ou por mal.

Estou cada vez mais apaixonado por pessoas vulneráveis, que abandonaram as máscaras da falsa espiritualidade e que se mostram como realmente são. Deixaram de lado os pudores da religião e abraçaram a vida de Jesus, entendendo quem é Ele e quem somos nós. A vulnerabilidade, além de revelar a sujeira escondida, abre o coração para sentirmos a brisa suave, que trás consigo, um leve aroma de redenção! Vence os calos espirituais e prepara-nos para sermos tocados de novo! Ainda mais, nivela todos os homens e protege o coração de exercer julgamentos, que pertencem somente a Deus. Os vulneráveis ficam doentes, todavia, são os únicos que podem ser curados!

Saudações aos fracos e pecadores que estão com Jesus, dos quais certamente, figuro entre os primeiros!

domingo, 7 de setembro de 2008

Emanuel

Por Robson Wellington

Estou contaminado pela presumida familiaridade, desconhecimento, desdém, ignorância e irrelevância prática de Jesus, Sua mensagem e Sua vida como realidade e instrumento vital para o dia-a-dia. Declarei independência da origem, perdi os relacionamentos, subverti a estrutura e a ordem, reverti os papéis, caí.

Mesmo assim Ele veio. Emanuel. Um grande nevoeiro paira sobre o fato de que Ele veio à terra não exclusivamente para seu sacrifício na cruz. A promessa foi: "Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel". O nome Emanuel significa "Deus conosco" (Mateus 1:23) e isso implica mais do que uma breve visita para um ato sacrificial; revela também o compartilhar da experiência humana. Assim como os que projetam móveis de montar freqüentemente acrescentam desenhos às suas instruções, assim também Deus planejou desde o início dos tempos dar aos homens não só instruções, mas o modelo perfeito do Seu próprio Filho, a quem o homem foi criado para copiar.

Minha ignorância, rebeldia e independência é evidenciada pela ausência dEle em meus estudos, trabalhos, divertimentos, palavras, pensamentos, ações, atitudes, relacionamentos. A idéia básica do discipulado era amplamente aceita quando Jesus começou seu ministério, mas Ele criou um padrão revolucionário. Ele tomou a iniciativa de convidar pessoas para segui-lo, chamando-as primeiramente a si próprio e não apenas ao seu ensino; esperou delas total obediência, quando as ensinou a servir e as advertiu que iriam sofrer; e reuniu ao seu redor um grupo diverso de pessoas comuns.

Será que realmente sou seu discípulo? Tenho tentando remar contra a maré do ritualismo estéril, especulação teológica e irrelevância prática passando mais tempo nos evangelhos estudando a vida de Cristo, mas vejo que sou bom para teorizar e letárgico para praticar, me preocupo com o supérfluo e desprezo o fundamental. Será que sei viver sem ser materialista, orgulhoso e egocêntrico, avançando em direção à vida que se assemelha à de Cristo? Sinto-me às vezes, crente numa espécie de ET, mágico ou sofista.

O Emanuel veio servir de modelo da criação de Deus e anunciar o reino de Deus que é chegado, que está próximo, que está entre nós. Quanto mais o conhecemos de verdade e o imitamos, mais as nossas reações aos desafios da vida serão reações dele e não da carne. Então poderemos dizer com Paulo: "Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim" (Gálatas 2:20). Será que realmente desejo seguir o Emanuel?

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Prelúdio: sede e fome.

Por Eliel Moura

Todos se dão conta em algum momento. E isto é a benção maior, a única que não perseguimos. A dádiva de descobrir que Ele ficou pelo caminho. A inegável percepção a cerca dos rumores e ecos do passado, tão fortes e reais que solidificam por tanto tempo à alegoria de Sua presença. Mas já não bate vento.

Seus resquícios algemam a alma e nenhum entorpecente zela a obscuridade sem ao menos dar sinal de que algo esta errado. Quando da mais casual desventura, o ressoar da verdade revela as lacunas sutilmente preenchidas com nada. O nada parece ser tudo: tudo que precisamos para viver, o que mais ambicionamos - nossos anseios revestidos de legitimidade. O tudo não chega a ser nada, continua muito importante, é o passaporte para a felicidade. Os olhares que O fitam ultrapassam Sua pessoa, vasculhando o que a terra prometida pode oferecer. Das tolices que disse, acertou o barbudo ao dizer que isto é Ópio. Antes o vício estivesse Nele, mas não é assim, dependemos da estrutura que O descreve, ou daquilo que através Dele se vislumbra experimentar. Mas aqui esta a Graça, prestes a denunciar a aridez escondia em miragens de Oásis. Os desertos foram mares, não há como ignorar esta idéia, nem tampouco esconder o que tal ambiente evoca: é sede o que sentimos.

Na mente até a razão concorda em buscá-Lo e Lhe devolver Sua poltrona – já que a sala e sua TV tem sido o lugar central das famílias modernas. Da mesma forma, há unanimidade a respeito de tê-Lo de novo, do modo impetuoso como já fora recebido. Porém, onde reencontrá-Lo? Pergunta feliz de ser feita, mas sua composição pesa sobremodo. Nesta altura a trama tende a trazer a agência e a ação ao desertor, como se soluções se originassem nele. Mas afinal, não seria a própria consciência da escassez fruto da intervenção Dele? O absoluto permanece onde esteve, é imutável... E o movimento que nos leva de volta conspira de infindáveis maneiras. Epifania! Subitamente a idéia: e se talvez vasculhássemos os restos de comida? Fria, sem sabor. As migalhas formam a trilha para a farta mesa onde Ele é o próprio banquete. Uma dimensão plenamente satisfatória, não mais um caminho por onde se passa para chegar a algum lugar, mas o ponto final. Estamos famintos.

Deserto sem brisa com comida estragada! Não é o inferno. Quem sabe a porta pro céu, o caminho de volta a Ele...