sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Estou voltando...

Olá queridos!

É difícil acreditar que estou terminando o meu tão sonhado "ano em Moçambique"! Essa semana tem sido um tempo de despedidas e as pessoas tem compartilhado sobre diferentes olhares e memórias da minha passagem por aqui. Como é bom receber esse feedback!

Meu coração está cheio de gratidão pela oportunidade de servir como missionário no MIMPE (Movimento Impacto Estudantil), pelos encontros de evangelismo, pelos relacionamentos de discipulado, pelos treinamentos, pela expansão do Movimento em universidades de outras províncias, pelas viagens com o Projeto Filme Jesus. Perceber o enorme impacto que a proclamação do Evangelho da graça de Deus em Jesus Cristo tem sobre diferentes pessoas, lugares, gerações e culturas é fascinante.

Estou grato pela oportunidade de estudar História da África na UEM (Universidade Eduardo Mondlane), pelas pesquisas no Arquivo, pelos professores que tornaram-se amigos, pelos colegas que tornaram-me o xodó da turma rsrs...

Dias de realizações, dias de frustrações, ânimo, desânimo, entendimentos e desentendimentos... Enfim, vivi meu "ano em Moçambique"! E valeu a pena. Faria tudo outra vez.


Engrandecê-lo-ei com ação de graças. (Salmo 69:30)



Quero agradecer a todos que oraram, investiram e acompanharam de perto esse importante tempo da minha vida. Vocês fazem parte desse sonho real! Peço que continuem orando por Moçambique, esse país tem muitos problemas, mas também muitas oportunidades. Justiça, paz e alegria do Rovuma ao Maputo! Como diz o grito do poeta: Arrebenta, país da marrabenta! hehe...


Porém, o verbo, que é Espírito

fez-se poesia e habitou entre nós,

cheio de charme e verdade...

Vimos então um novo céu e uma nova terra,

em momentos-aqui-e-agora-repletos-de-eterna-paixão,

gestando um novo tempo

pois, que grávidos do Espírito-que-sopra-onde-quer,

começamos a resgatar a palavra inventiva,

a simbologia criativa,

e curtimos com absoluta beleza

nossa provisória certeza.

A gente voltou a sorrir como jamais

"o mundo compreendeu e o dia amanheceu em paz".

(Carlos Alberto Rodrigues Alves)



É galera, estou voltando!!! haha...


Na graça,

Robson Wellington

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Paz no coração

Por Robson Wellington

Compartilhei essa semana no meu grupo de discipulado a respeito de “pecado”. E como foi difícil tratar sobre um tema tão disputado pela religião dentro das pressuposições da revelação e da fé! Geralmente, o tema é abordado focando em “pecados” como maus comportamentos, ou seja, naquela velha lista do que podemos e do que não podemos fazer, na guarda da lei e da neurose culposa. Nada é mais fácil e comum do que alimentar o nosso carnal apetite por juízo sobre o próximo e auto-justificação diante de Deus. Por outro lado, é raro e difícil uma abordagem sobre “pecado” que explore a complexidade do décimo mandamento sobre a cobiça, com toda sua interioridade e intencionalidade, e pouco se fala sobre “errar o alvo”, “morte espiritual”, “alienação”, “separação” e “contradição”. Infelizmente, a maioria das abordagens sobre “pecado” levam muito pouco em consideração o ensino e a vida do único Sem-pecado. Em Jesus vemos “pecado” como indisposição e incapacidade de amar verdadeiramente a Deus, ao próximo e a si mesmo. Nesse sentido o “pecador” é totalmente inafetivo. A hipocrisia, a presunção, a arrogância, a justiça própria e a autoconfiança erram o alvo, matam a alma, contradizem, alienam e separam o homem de Deus. Nesse sentido o “pecador” é aquele que confia nos resultados de sua lei, moral e religião, e contra tudo e todos (inclusive a si mesmo) tenta tirar o cisco do olho do outro, sem retirar a trave do seu. Resumindo, podemos dizer que o foco é o “pecado” (absoluto) e não os “pecados” (relativos). A questão não é eventual, e sim ontológica.

No romance Angústia, de Graciliano Ramos, o narrador e personagem Luís, faz justiça com suas próprias mãos, como um coronel ou cangaceiro do sertão, e acuado por pressentimentos apavorantes, sente a necessidade de compartilhar sua experiência solitária e infeliz, então, escreve uma sentença judicial autopunitiva, anterior à justiça dos homens, transformando-se em carrasco de si mesmo. O romance aparentemente catastrófico – composto de longas passagens obscuras do passado recente e estilhaços esclarecedores do passado remoto, busca cadência e harmonia pela função de ligadura emprestada às partes, mas as boas intenções da ficção se contrastam com a brutalidade do real, onde tudo aponta para a frustração e solidão do ser humano, e assim, o único acesso à vida digna é condicionada pela boa sorte na loteria. Vejo nesse romance o problema do “pecado” seguido da ação humana (religiosa e moralista), e até a possibilidade da ação de Deus. Ah, quem dera que todos percebessem que o Cristo é a ligadura, é a conjunção, é o nosso bilhete premiado!

O “pecado” não me surpreende, porque acredito que esse é um dos poucos pontos da doutrina que pode ser provado empiricamente. Não é necessário edificar nenhum monumento para a depravação das afeições humanas, porque basta lançar os olhos para qualquer pessoa, em qualquer lugar para se comprovar o terrível fato da reprodução do “pecado” em natural cumplicidade com nossos antepassados. Na verdade, o que me surpreende é a ênfase no “pecado” – pior ainda, nos “pecados” – em detrimento da ênfase na reconciliação e paz. A ira de Jesus não foi derramada sobre os publicanos, beberrões, prostitutas, pobres, cegos, aleijados, vacilantes, imperfeitos, confusos, equivocados e diferentes, mas sim sobre os religiosos e politicamente corretos do seu tempo, revelando que para Ele nada é mais pecaminoso do que as falsas e malignas noções de justiça e espiritualidade, com seu deliberado desprezo, rebelião e relativização em relação ao favor gratuito de Deus concedido aos pecadores arrependidos. Quando alguém mantém uma sadia relação com o Sagrado, ela torna-se santa e bela, pois aprende a humildemente descansar na graça e a exalar o seu bom perfume, por outro lado se essa relação com o Sagrado funda-se na justiça própria, orgulho e hipocrisia, nada se torna mais doentio e mortal. A História testemunha essa triste verdade abundantemente. Quantas atrocidades já foram cometidas em nome de Deus pelas religiões? Será que vamos continuar queimando as coitadas das bruxas por seus “pecados” para mascarar e atenuar nosso “pecado”?

Espero que ao invés disso, seja proclamada em alto e bom som, a Boa Notícia de que em Jesus a corrente de causa e efeito foi quebrada e, somos incondicionalmente e imerecidamente amados, perdoados e justificados. Nele o antônimo de “pecado” é a graça, e não a virtude humana. Ele fez tudo, absolutamente tudo o que era necessário para reconciliar o homem com Deus, e agora nada e ninguém pode nos separar dEle. Sim, esta é a Boa Notícia que declara paz, paz aos que estão perto e aos que estão longe. Uma paz que excede a todo entendimento e não é dada como a que o mundo dá. Precisamos nos questionar e responder para nós mesmos: Estou reconciliado com Deus? Estou com o coração pacificado? Estou confiando e dependendo de Jesus como a minha única tábua de salvação? Como é raro encontrar gente com o coração pacificado! Onde estão aquelas pessoas inteligentes que sabem que são estúpidas e aqueles discípulos honestos que sabem que são canalhas? Precisamos conviver da melhor forma possível com o fato da impossibilidade de bondade e perfeição absoluta. Como é difícil encontrar gente que conhece a Deus de modo que sobe aos céus e Ele está lá e que desce ao abismo e Ele também está lá! Oxalá, que todos soubessem que se supera o “pecado” – ou seja, a inafetividade, a alienação relacional – com um ato de confiança na total aceitação de Deus! “Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo”. Só assim, percebemos a tolice do esforço para obter o favor de Deus, para garantir valor próprio e da pressa competitiva para chegar na frente dos outros, acolhendo a revolucionária verdade de que nada pode fazer Deus nos amar mais ou menos fora de Sua livre e boa vontade. Reconhecer nossa falência é a nossa salvação e a Sua exaltação.

“E o Deus de paz seja com todos vós. Amém.”

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Almas Irreverentes

Por Eliel Moura

Ontem almas irreverentes me assombraram. Fizeram-me caminhar algumas distâncias de olhos vendados, de modo que me movia tateando, percebendo as fissuras, tropeçando e tropeçando. A princípio, a batida da minha marcha era o medo, pensava em como poderia me libertar: estava cada vez mais longe de casa. “O que vocês querem? Por que eu? Deixem-me em paz!” O som evasivo das interrogações era levado pelo vento enquanto eu ia seqüestrado.

Eram elementos perigosos, gente com quem, segundo me fora ensinado, não deveríamos nos misturar, com temas pelos quais não nos era lícito inquirir. O Index Prohibitorum da biblioteca estava ali e eu constrangido, sem entender bem de que forma poderia sobreviver aquele contato. Ali percebi com nitidez o fracasso do senso comum religioso, que se apóia na falsa idéia de proteção: nada mais do que negligência, alienação. “O que fazer agora? Não foi uma escolha estar aqui, simplesmente me raptaram, faço o que? Não, não me peça pra ficar sentado ‘numa poltrona no dia de domingo’”...

Corre o risco um refém de afeiçoar-se por seu capturador, no que alguns psicólogos denominam Síndrome de Estocolmo. Seja eu mais uma vítima desta patologia ou não, a verdade é que meu coração é Dele! Daquele que me laçou e me conduziu aos desertos. O único que não se intimidou, que não confundiu minhas dúvidas com minha devoção ou minhas inquietações com minha fé. Ele e seu bando, apanhando pessoas, arrebatando corações, esta é minha gente...

Hoje almas irreverentes me abençoam. Revelam-me a graça de se andar na penumbra, percebendo os detalhes com os sentidos latentes, tropeçando e tropeçando. Sinto falta de casa, mas o dia a dia me mostra que quem faz o lugar são as pessoas, por isto, alivio esta saudade caminhando com Ele e desfrutando de nobres companhias: muita gente da vizinhança... Aproveito também o mistério do lar, para não desprezar aquele que pode vir a ser meu colega de quarto.

O cisma que separava-nos, já não nos distancia mais. Na alforria de vivazes idéias nasce a liberdade de pensar e o convite ao diálogo: “vinde, pois, e arrazoemos”. Deste modo, entre os tons e nuanças, por que enojar os de bandeira arco-íris? Por que se enfadar com os de barba e camisa vermelha e afinal de contas, por que desistir dos descoloridos evangélicos? Chegamos com livre acesso a dimensões celestes em bate papos espirituais e não conseguimos transpassar os muros desta indiferença? Sim, nós podemos!

O encontro com almas irreverentes, ontem e hoje, inspira-me. Desafia-me a ser mais vivo, mais deste tempo, a não profaná-lo com errantes menções a um futuro que virá, já que matamos recorrentemente o hoje vislumbrando o amanhã. Assassinos, assassinos da beleza e do caminho. Focados no fim, nas metas e nos alvos, ignorando o processo. Ah, se entendêssemos que o processo é o alvo! Sim, Ele é o Alfa e o Ômega, mas é também tudo que nos liga do princípio ao fim: Ele é o meio... Pelo qual vivemos e existimos.

As almas irreverentes, saudações e obrigado.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Declaração de fé

Por Robson Wellington

Sou cristão! Tenho confiança em Jesus Cristo em todas as suas dimensões, inclusive naquelas que ainda desconheço. Deus estava nele de uma maneira sem precedentes. Minha confiança se encaixa em minha experiência, intuição e cognição, consola minha depressão, inspira minha esperança e me desafia a viver com sentido e propósito, sem deixar de ser tomado por assombro e encantamento.

Sou cristão! Não apenas porque confio em Jesus como meu “Salvador pessoal”, mas porque confio em Jesus como “Salvador do mundo”. Minha eleição não me confere apenas privilégios, mas também responsabilidades. Visto que foi o mundo, ou a raça que caiu em Adão, foi o mundo, ou a raça, que foi o objeto da redenção de Cristo. O fato de nem todas as pessoas e lugares estarem se beneficiando de todas as maneiras possíveis do amor salvador é o que enche minha vida de paixão e urgência para escrever, evangelizar, discipular e viver como eu vivo.

Sou cristão! Entendo que salvação não é um processo de se dá apenas após a morte, mas também um processo que salva as pessoas para dentro da história, para um dia-a-dia impregnado de eternidade. Creio numa mensagem que não apenas salva o indivíduo de si mesmo, mas que faz isso para o próximo; que não apenas salva o indivíduo do diabo, mas também o salva da demonização da cultura e relações sociais; que não apenas salva o indivíduo do mundo, mas também o envia para salgá-lo.

Sou cristão! Não empurro para além da história as profecias de paz e reconciliação. Confio na mensagem do Reino de Deus que vem a terra, se estabelece entre nós e se faz acessível hoje. O porvir não é algo que se adiciona ao cristianismo, mas é simplesmente o meio em que se move a fé cristã. As cores da aurora de um novo dia esperado tingem tudo o que existe. Vejo o mundo como um lugar de interdependência, relacionamento, possibilidade, realização, novidade e liberdade.

Sou cristão! Publico na porta da catedral as teses do meu protesto. Não tenho parte com essa mercantilização da fé. Não tenho parte com a religião alienada, desencarnada, moralista, legalista, dogmática e intolerante que encadeia e deforma a idéia de Deus. O evangelho de salvação afirma que Jesus quebrou a corrente de causa e efeito, de ofensa e alienação que nos aprisionava.

Sou cristão! Minha alma perde o jeito de ser em qualquer situação que não seja a presença de Deus. As tendas da perversidade, por mais luxuosas que sejam não me oferecem ninho. Fui profundamente afetado pela graça. Os desertos são atravessados, cavam-se poços e guarda-se água da chuva. Um irmão dá força ao outro e seguimos, rindo da finitude, desdenhando das limitações, resistindo ao sofrimento e tudo isso andando com Deus.

A Ele a glória!

quarta-feira, 20 de maio de 2009

A Reconquista

Por Robson Wellington

Na Escritura Jacó figura como um caso inexplicável de amor da parte de Deus. Contundente foi a declaração do sublime Don Juan: “Amei Jacó”. Perguntamos: “Por quê?” Ou ainda: “O que Ele viu em Jacó?” A resposta é escandalosamente arbitrária: “Nada”. Jacó luta e vence aquele que se deixou vencer. Jacó barganha sempre, mas só ganha quando não tem mais o que barganhar. E continua o Conquistador: “Meu coração está comovido dentro de mim, as minhas compaixões, à uma, se ascendem”. Jacó e tantos outros saltam das páginas da Bíblia para a história da humanidade, uma história de seduzidos que deixaram-se seduzir.

Pensar na Conquista é fascinante e mais ainda é pensar na Reconquista. Pensei nela durante todo dia. Você pergunta: “Que Reconquista?” Eu tento responder lembrando do filme “Como se fosse a primeira vez” onde o apaixonado Henry a cada manhã fazia de tudo para que sua namorada Lucy que sofria de amnésia se lembrasse de seu compromisso com ele. Uma Reconquista a cada manhã, sempre com uma nova faceta como se o novo dia fosse uma nova vida, mas com a mesma persistência. Você exclama: “Que estranho!” Sim, sim é totalmente contraditório com a efemeridade dos relacionamentos pós-modernos. Uma Reconquista perigosamente subversiva a essa conexão interminável de pensamentos e vivências breves e intensas, mas inegavelmente superficiais.

Como dizia o velho provérbio daqueles que contraem a moléstia chamada Jesus e jamais são curados, sempre Reconquistados. Como aquele que pegou a sua herança, foi embora, gastou tudo e não quer um outro lugar, não quer uma outra pessoa, não quer uma outra coisa. Quer a mesma casa. Quer o mesmo abraço. Quer o mesmo desatinado amor do Pai renovado a cada manhã. Ali onde o que vale não é a sua pecaminosidade, mas a generosidade daquele cuja poderosa graça transformou seu coração, colocou seus joelhos diante de si e o salvou do abismo. Eternamente.

Como o movimento cristão da Reconquista que recuperou as terras perdidas para os árabes durante a invasão da Península Ibérica. Ali onde qualquer noção de escolha democrática precisa ser esquecida. Falo de guerra, de ocupação. Déspota é o nome Daquele que chamo de Senhor! Minhas crises, estruturas e formulações não alcançaram as montanhas das Astúrias. Havia resistência. E essa estrategicamente esperou São Tiago aparecer com seu exército. Com o toque de trombetas e desfraldação de bandeira, como aqueles territórios, também fui Reconquistado! E porque Ele me amou posso confessar que mais uma vez: “As minhas entranhas estremeceram por amor dele”.

A Ele a glória!

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Tsaka Moçambique!

Por Robson Wellington*

Pisei no solo arenoso e avermelhado de Maputo (capital de Moçambique) na manhã do dia 16/04, pouco mais de três anos depois do projeto missionário de um mês que participei aqui e que marcou profundamente a minha vida. Esse interlúdio foi marcado por muitas crises e transformações, mas voltar a esse lugar, cumprindo aquilo que Deus colocara em meu coração, mesmo com todas as coisas cooperando para o contrário, resignificou muitas coisas em mim. Aqui consegui captar harmonia e integralidade na bela e paradoxal dança entre o Robson atual, mais conhecedor de si mesmo, de suas fraquezas e limitações e o Robson de 2006, um visionário movido por uma paixão incendiante.

Olhei para as ruas sujas e cheias de lixo dessa cidade, para os chapas (vans) velhos e lotados, para os moçambicanos com seu jeito, seu cheiro, seu sotaque e concluí que realmente amo essa gente e esse lugar de uma maneira muito especial. De alguma forma Deus olhou para eles através de mim e pra mim através deles. A angústia que antecedeu a minha partida do Brasil deu lugar à alegria da minha chegada em Moçambique. Chesterton disse algo interessante: “O pessimismo é na melhor das hipóteses, um meio-feriado emocional; a alegria é a ruidosa labuta pela qual vivem todas as coisas”. Aprendi que para o bem do ser e saúde da alma, que a alma não cresce sem dor, e não se mantém sem alegria. Isso me enche de esperança!

Fui muito bem recebido e acomodado temporariamente pelos amigos que fiz em 2006 e pelo diretor nacional da Cruzada. E Deus já providenciou uma moradia definitiva numa boa casa. Mesmo com o atraso na minha chegada consegui me matricular na universidade e já estou freqüentando as aulas nas terças e quintas, conhecendo um pouco mais da história desse país e me conectando com estudantes e professores.

O Movimento Estudantil Alfa e Ômega aqui se chama Movimento Impacto Estudantil (MIMPE), existe desde 2001 e é fruto de projetos missionários realizados pelo Alfa e Ômega do Brasil. Passei essas primeiras semanas me familiarizando com o MIMPE, estudando o planejamento anual, conversando e orando com os estudantes-líderes, além de participar das atividades no campus. O movimento tem muitos desafios, entre eles, o importante processo de transição de liderança. Os líderes atuais estão se formando e uma nova liderança precisa ser levantada para prosseguir com o trabalho. Estou acompanhando de perto esse processo. Fui designado para trabalhar na área de discipulado. Vou mentoriar os novos líderes, coordenar os pequenos grupos de discipulado, além de liderar o meu próprio pequeno grupo que deverá ser modelar. No último final de semana ocorreu com muito êxito um evento de conexão com os estudantes alcançados nas palestras evangelísticas para calouros no início do semestre e compareceram mais de 30 estudantes!

Acredito muito no potencial que o MIMPE tem para ajudar a alcançar essa geração para Cristo, glorificando a Deus nessa nação. Eu oro para que meu trabalho durante esse ano contribua positivamente nesse sentido. Tudo está correndo muito bem até agora e me sinto literalmente agraciado. Quero agradecer as orações, ofertas e e-mails de encorajamento.

Adotei a frase “para que Moçambique se regozije na glória de Deus” como declaração de propósitos da missão que tenho pela frente e desde já estou proclamando: Alegre-se Moçambique! Em changana (dialeto local): Tsaka Moçambique!

Forte abraço!

* Carta enviada para meus parceiros ministeriais.

sexta-feira, 27 de março de 2009

A comunhão dos santos

Por Robson Wellington

O cabeça de uma casa judaica fazia a mesma oração matinal todos os dias, dando graças a Deus por não ser gentio, nem mulher, nem escravo. Mas os representantes dessas três categorias desprezadas foram remidos e unidos em Cristo no nascimento da igreja em Filipos. O Senhor lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos, mas Lucas no relato de Atos seleciona apenas três: uma comerciante chamada Lídia, uma jovem escrava e o carcereiro romano. Creio que essa seleção foi feita não porque eles eram particularmente notáveis, mas sim por demonstrarem como Deus rompe barreiras e em Cristo pode unir pessoas diferentes. Pois verdadeiramente como Paulo escreveu aos Gálatas: “Não pode haver judeu nem grego, nem escravo nem liberto, nem homem nem mulher; porque todos vocês são um em Cristo Jesus”.

Fomos criados a imagem e semelhança de um Deus trino, ou seja, uma unidade que contempla em si diversidade, uma comunhão, uma família, uma comunidade, um permanente conselho de três pessoas eternas que vivem em perfeita harmonia. No entanto, as diferenças entre nós em geral são um fator de distanciamento e não de comunhão. Desde a Queda a convivência dos homens sempre foi um grande desafio. Hoje vivemos num tempo de diminuição das fronteiras físicas e da comunicação, mas também do alargamento da distância afetiva e da comunhão. Infelizmente, parece que temos medo da diferença, da opinião e do jeito do outro. Talvez a gente tenha tanto medo da diferença, porque ela é um forte convite a auto-confrontação e não gostamos disso. O outro é um fator de ameaça. Ele desafia quem somos, ele é um espelho. A voz do outro é um auto-exame. Então, preferimos o conforto da uniformidade.

Muitas vezes os grupos cristãos se tornam um lugar de formatação de pessoas, um lugar que pouco valoriza a diversidade e que não aceita as peculiaridades do outro. A palavra “comunhão” foi esvaziada de significado, representando passeios ocasionais ou lanches e conversas superficiais depois do culto, que pouca ligação tem com a comunhão bíblica que é o compartilhar de vida. Pense, por exemplo, nos grupos que se propõem “interdenominacionais”. Eles são fruto de um enorme esforço unificador, mas em geral, até eles demonstram certa dificuldade de acolher a diversidade, esforçando-se para criar uma linguagem híbrida uniforme e rejeitando certas peculiaridades do outro para a “paz” do grupo. Mas como disse Luis Fernando Veríssimo: “Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza”. A. W. Tozer escreveu: “Na verdade é a variedade e não a uniformidade que é a característica de Deus. Em tudo que você vê a mão de Deus, você vê variedade e não uniformidade”.

No entanto, tenho que admitir que sou muitas vezes pouco gracioso com alguns setores do cristianismo. Trago na bagagem uma série de experiências ruins com o legalismo religioso-moralista. Geralmente, catuco excessivamente alguns irmãos mais parecidos com esse esteriótipo negativo que eu formei, enquanto sou muito simpático com aqueles que estão mais alinhados com a minha maneira de pensar atualmente. É uma fraqueza indesculpável! Crer na “santa igreja universal; na comunhão dos santos”, como está declarado no credo niceno, implica abandonar a auto-imagem de arauto da verdade que quase sempre leva ao rebaixamento de todos os outros cristãos que não se juntaram ao seu movimento. Ser universal (ou católico) significa também ser receptivo e caloroso a todos, sejam reacionários ou reformadores, desde que isso não signifique excluir qualquer outro. Significa alegremente aceitar e receber os pobres, cegos, vacilantes, aleijados, imperfeitos, confusos, equivocados e diferentes, não apenas de uns poucos exclusivos e elitizados.

Quero receber do Espírito Santo a graça de entender que os diversos dons foram concedidos para promover a unidade dos cristãos. Quero repartir o pão na mesma mesa com tradicionais e pentecostais, fundamentalistas e liberais, assim como os filipenses repartiram com o gentio, a mulher e a escrava. É maravilhoso observar como apelo universal do evangelho conseguiu alcançar pessoas tão diferentes e como seu efeito unificador conseguiu juntá-los para formar a nascente família de Deus naquela cidade. Lucas encerra sua narrativa sobre Filipos com uma referência aos “irmãos”. Mais tarde Paulo em sua carta aos Filipenses os exortou a permanecerem: “firmes em só espírito” a pensarem “a mesma coisa”, terem o “mesmo amor” e serem “unidos de alma, tendo o mesmo sentimento”. Como quero ficar maravilhado com a beleza da diversidade da igreja! Que os grupos cristãos sejam um lugar onde cada um não tenha medo que ser o que é, porque sabem que o céu é logo ali e que lá crianças de todas as tribos, línguas e nações brincarão no mesmo quintal, as mulheres conversarão na mesma praça e os homens se banharão no mesmo rio. As diferenças não mais nos dividirão porque o Deus trino será tudo em todos.

A Ele a glória!

domingo, 22 de março de 2009

Creio e duvido

Por Robson Wellington

Como moro numa cidade da Baixada Fluminense o trem sempre foi pra mim um importante meio de transporte. E andar de trem é uma experiência antropológica! Vendedores de todo tipo de quinquilharia transitam pelos vagões. Pregadores de vários estilos disputam a atenção dos passageiros. Certa vez, estava indo para o trabalho num trem lotado e numa determinada estação entrou um pregador que começou a apresentar sua mensagem em voz alta. Nesse dia, eu prestei uma atenção especial ao pregador, ao conteúdo da mensagem e a reação das pessoas. O pregador falava como um arauto encarregado de declarar paz ou guerra e de fazer proclamações solenes. O conteúdo da mensagem era fortemente religioso e moralista. Algumas pessoas demonstravam certo incômodo, mas de uma maneira geral as pessoas ignoravam o pregador e sua mensagem. Aquele tipo de acontecimento tinha passado a fazer parte do quadro cotidiano da maioria daquelas pessoas e raramente provocava reações de adesão ou rejeição. Mas de repente, algo me chamou atenção. Quando o pregador vociferou uma sentença de condenação para aqueles que eram como “a víbora surda que tapa os ouvidos”, um casal de velhinhos abandonou imediatamente a aparente indiferença trocando entre si um forte olhar questionador. A senhora perguntou ao esposo: “Querido, Jesus manda fazer isso dessa forma?”. O senhor titubeando respondeu: “Querida, eu não sei”.

Surpreendentemente, percebi fé tanto naquele pregador quanto naquele casal. Li em algum lugar que “há mais fé na dúvida sincera do que na metade dos credos”. Daí, pensei em algumas implicações dessa percepção e concluí que fé e dúvida podem caminhar lado a lado, por mais que os condicionamentos da nossa cultura religiosa digam o contrário. É intrínseco ao sujeito religioso assegurar a sua convicção inabalável, a sua certeza absoluta e o seu acesso perfeito à verdade divina. Ele se considera tão convicto de que atingiu a realidade única, objetiva, real e concreta, que sai para fazer prosélitos. Admitir a remota possibilidade de não estar alinhado à verdade absoluta, constitui-se em uma fraqueza inadmissível para os demais praticantes de sua tradição. O grande problema dessa maneira de pensar é que ela parte de uma premissa falsa. A dúvida não é a antítese da fé. O oposto da fé é a decisão de não crer em Deus. Todos nós temos dúvidas porque nosso conhecimento é imperfeito e incompleto. O homem que clamou a Jesus: “Creio, ajuda-me a vencer a minha incredulidade” demonstrou a disposição firme de crer em Deus mesmo em meio a perguntas e dúvidas.

João Batista foi aquele que ouviu uma voz do céu afirmar sobre Jesus: “Este é o meu Filho amado”. Contudo, ele começou a duvidar quando a sua vida deu uma reviravolta e ele se viu atrás das grades de uma prisão. Jesus não estava fazendo as coisas do jeito que ele acreditava que deveria fazer, por isso questionou: “És tu aquele que haveria de vir ou devemos esperar outro?”. E foi justamente sobre esse homem, que permitiu-se duvidar, que Jesus afirmou: “Entre os nascidos de mulheres, não há maior profeta do que João o Batista”. Só quem abandona o conforto dos dogmas pode semelhante a um veleiro, experimentar a aventura de navegar ao sabor do vento indomável do Grande Aventureiro sem a menor pretensão de achar um porto. Só quem abandona a rigidez dos dogmas pode desfrutar da graça da fé no Transcendente, no Insistematizável com seu sublime misto de revelação e mistério.

Na Bíblia as pessoas que encontramos com certezas absolutas não são os heróis da fé. Aqueles que nunca duvidaram com o que seria a vontade de Deus foram os fariseus que crucificaram Jesus. A fé confia e permanece fiel mesmo quando é provada. O caminho do Evangelho é cheio de perguntas, dúvidas, lutas e ainda assim, fé! Chesterton no primeiro capítulo de seu livro Ortodoxia fala sobre o manicômio. Segundo ele, o manicômio é onde deveriam estar “as pessoas que acreditam plenamente numas poucas máximas cínicas não verdadeiras”. Loucos com sua lógica, suas convicções inabaláveis e suas certezas absolutas. Ele conclui o capítulo dizendo que: “Aquele transcendentalismo pelo qual todos os homens vivem ocupa primeiramente a posição semelhante à do sol no céu. Temos consciência dele como uma espécie de esplêndida confusão; é algo brilhante e informe, ao mesmo tempo fulgor e borrão. Mas o círculo da lua é tão claro e inconfundível, tão recorrente e inevitável, como o círculo de Euclides sobre um quadro-negro. Pois a lua é absolutamente razoável; e a lua é a mãe dos lunáticos: ela deu a todos eles o seu nome”.

Vale lembrar também o teólogo espanhol Andrés Torres Queiruga, quando diz que: “O ateísmo, em sua própria negatividade, pode ser uma grande oportunidade para a fé; pode até ser uma medida da Providência para que os cristãos, assumindo a crítica atéia, compreendam que Deus é sempre muito maior do que as idéias que nós fazemos dele. A crítica dos ateus pode ajudar-nos a romper os esquemas em que tantas vezes encadeamos e deformamos a idéia de Deus”. Formar uma cultura de diálogo requer uma imensa confiança em Deus e uma disposição para abrir mão da necessidade de determinar, mudar ou controlar as convicções e ações dos outros. Quando criamos um ambiente em que as pessoas são livres para questionar, duvidar e investigar devolvemos a Deus a responsabilidade de mudar o coração das pessoas. E é exclusivamente dele essa tarefa.

A Ele a glória!

domingo, 8 de março de 2009

Um lugar que chora

Por Robson Wellington

O romancista inglês John Berger fez o seguinte relato: “Alguns dias depois de retornar de onde acreditava ser, até recentemente, o futuro Estado da Palestina, e que hoje é a maior prisão do mundo (Gaza) e a maior sala de espera do mundo (Cisjordânia), eu tive um sonho. Eu estava sozinho, em pé, despido até a cintura, num deserto de arenito. Depois a mão de alguém apanhava no chão um punhado de terra e jogava no meu peito. Esse gesto estava marcado por consideração, e não agressividade. Antes de me atingir, a terra ou o cascalho se transformavam em pedaços de tecidos rasgados, provavelmente de algodão, que se enrolavam, como faixas em torno do meu dorso. Depois, esses pedaços de tecido se transformavam novamente e viravam palavras, frases. Escritas não por mim, mas pelo lugar. Ao me lembrar desse sonho, a expressão terra arrasada não parou de vir e voltar à minha cabeça. Essa expressão descreve um lugar ou alguns lugares, onde tudo, tanto, no sentido material como imaterial, foi decepado, removido, varrido, assoprado, desviado, tudo, exceto a pobre terra palpável”.

Eu também tive um sonho. Foi no mês de janeiro que vi mais de mil palestinos morrerem confinados em uma estreita faixa de terra, submetidos ao ataque terrestre, marítimo e aéreo de um dos mais poderosos exércitos do mundo. A Faixa de Gaza é o território mais densamente povoado do mundo e, ali achar que bombas separarão o joio (terroristas) do trigo (civis) não passa de uma piada mórbida. Dois terços das vítimas da ofensiva israelense não eram combatentes e um terço tinha menos de 18 anos. Folhetos foram lançados anunciando os bombardeios e pedindo para que a população fugisse. Mas, fugir para onde? Todos os acessos ao lugar foram fechados. Dessa vez até a entrada da imprensa foi proibida.

A ministra israelense de relações exteriores Tzipi Tivni disse se comover com o crescimento do “ódio contra Israel”. Mas quem o semeou? É realmente surpreendente que esse espetáculo fúnebre contra crianças, mulheres e idosos tenha provocado a ira contra os dirigentes israelenses? O pacifista israelense Uri Avnery fez uma avaliação precisa: “O que ficará marcado a ferro em brasa na consciência do mundo é a imagem de Israel, mostro sanguinolento, pronto a cometer a qualquer momento crimes de guerra e incapaz de obedecer a todo limite moral. Haverá conseqüências graves para nosso futuro a longo prazo, nossa imagem no mundo, nas chances de obter a paz e a calma. Esta guerra, é, no final das contas, também um crime contra os israelenses, contra o Estado de Israel”.

De certa forma, também senti um punhado de terra sendo jogado no meu peito e me lembrei de coisas das quais me envergonho. Houve um tempo que acreditava e ensinava que a fundação do Estado de Israel em 1948 era a fatualidade da leitura histórica na seqüência do apocalipse bíblico. Guardava simpatia pela defesa que os EUA ofereciam ao povo escolhido de Deus e ira pela oposição de todos os infiéis aliados da Besta e Anticristo. Daí até a tácita celebração de cada bomba lançada como sinal da volta de Cristo foi um pulo. Aqui está o nefasto resultado da religião. Ela é cínica em essência. Ela torna sagrado instituições, estruturas e abstrações e abandona o domínio do respeito pela pessoa humana.

O modo como somos uns com os outros é um bom teste para nossa fé. Brennan Manning coloca isso da seguinte forma: “Como trato um irmão ou irmã no dia-a-dia, como reajo ao bêbado marcado pelo pecado na rua, como respondo a interrupções de pessoas de que não gosto, como lido com gente normal em sua confusão normal num dia normal podem ser melhor indicação da minha reverência pela vida do que um adesivo contra o aborto preso ao pára-choque do meu carro”. Se existe alguma doutrina ou lógica religiosa que legitima o que vem acontecendo na Faixa de Gaza eu não quero ter nenhuma parte com ela. O meu Messias é palestino! O poeta curdo Bejan Matur escreveu que: “um lugar que chora entra no nosso sono e não parte nunca”. Então, finalmente comecei a entender o sonho, a terra jogada que virou tecido, que virou palavras e frases, que escrevi não por mim, mas pelo lugar.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Lapso

Por Eliel Moura

Milhares de sinais e mensagens deixadas como testemunhos da vida que grita, começam atualmente a se correlacionar!A partir daí deságua forte corrente levando uma enxurrada de questões a zonas de obsolescências. Perambular por este antigo e decadente centro de convergência, é a partir de agora, uma opção de quem entende claramente não ser ali o espaço das mais contundentes decisões. Certamente passaremos por lá, questionaremos, choraremos, cavaremos mais fundo e depois voltaremos, para o lugar cuja devoção maior nos separou. É nesta dialética geográfica entre o centro e áreas miseráveis e escusas que logramos construir uma estrada.

No enclausuro de quem deixou crescer frustrações e decepções uma imperativa direção bateu a porta: no serviço a outros se esconde o apaziguamento de si mesmo. Uma propositada ação de coerência no mundo das calamidades é aliviar a dor dos que não possuem genuíno consolo. Talvez, neste caminho, necessitemos também proclamar a desagradável verdade de que ela está em todos, dos triunfalistas aos depressivos. O conhecimento de si neste caso é a pior e melhor coisa que pode nos acontecer! Pior porque destrói uma bem entrelaçada linha de pensamentos e emoções que de certa forma nos sustentam. Melhor sim, e ainda busco coragem para dizê-lo, porque chama a jornada realmente cristã, aquela que é abalada mais não destruída.

Tantos e tantos! Não consigo mais vê-los sem levantar minha quebrada voz! Pare com isto, pare de ter compaixão de si mesmo! Não esvazie o que homens e homens em dilemas inconciliáveis bravamente protegeram. Há uma fé provada, mais valiosa que ouro, que embora não provoque arrepios constantes é insanamente indestrutível. Uma confusa geração de “crianças abandonadas” transita errante para a linha de frente. Nos ajustamentos do caminho hão de descobrir seu lugar...

terça-feira, 3 de março de 2009

As bobagens de conhecer-se

Por Eliel Moura

A cerrada neblina parece palpável. O movimento da mão age no sentido de tocá-la para recolher uma amostra. Não restarão muitos indícios de tal ocorrido. Está frio. Mais alguns passos e já se não enxerga nada. Hesitando e sempre avante, ali está, mergulhado na odisséia do auto-descobrimento. Um guia na mochila assevera a importância desta jornada e prioriza alguns itens fundamentais! Entre eles, um grifado em vermelho: “vá o mais fundo que você puder”. A aparente viagem solitária é uma maratona de multidões, cada qual com seu exclusivo roteiro, mas com os mesmo objetivos. À medida que caminha vai encaixando as peças, mexendo aqui, iluminando ali e realmente acreditando num sentido para as coisas.

A condensação que trás as nuvens do céu à terra é agora um lugar de devassa. Anotações por todos os lados, eventos supostamente resguardados na lógica aristotélica e a empolgante sensação de que o mistério é um rei sem trono. “Você consegue ver? Consegue entender agora?”. Devotada platéia acompanha os desdobramentos e adiciona novos elementos a trama! Ninguém questiona a enfadonha marcha. Em cada passo, mais “impressionantes” e vazias descobertas juntam-se a montanhas de informações. Por que tanta gente naquela trilha que sai do homem e morre nele? Sim, é claro, o misticismo corrente também abre alas para eventuais investidas celestes, que fecham elos difíceis de se conciliar. Mas não é bem um sentido vertical a questão.

Ainda ele, mergulhado em si mesmo. Corpo cansado. Nas olheiras o símbolo da persistência, nenhum episódio pode ser perdido! O caminho viciou o peregrino e sua visão, depois de tanto tempo na névoa, é sem horizontes. Sua teoria, assustadoramente, só faz sentido para ele, não há mais ninguém que tenha visto o que ele viu. A tarefa de fazê-la compartilhada já o consome e o algema: ele é escravo do que desvendou. Os espasmos e delírios o levam para a densidade por onde se aventurou, mesmo já num dia limpo de céu azul. Ali estão outros tantos, com lanternas nas mãos, vasculhando o que se propagou digno de ser achado. A energia daqueles focos de luzes alimentaria uma cidade inteira e realmente traria certo tipo de revelação, mas para eles, neste momento, não há vida além da obscuridade.

O que afinal se solidificou no caminho? Nada de experiências fechadas ou conclusões definitivas. Algo, entretanto, carimba o roteiro de volta. Uma límpida impressão de que a força despendida na “cartografia do ser” deve outras tantas, perder força e ceder a uma viagem descentralizada de si. Quando o esporte se torna muito conhecer-se e decifrar-se, o troféu nada mais é do que voláteis assertivas sobre o indomável. “Um cego e seu mapa!”, ironiza o peregrino.

Já agora, ele enfadou-se do abismo que chama outro abismo e preferiu de vez em quando sair do lugar nebuloso que o envolve. Ele chama outros mochileiros a focar suas lanternas em outros pontos - talvez não tão legítimos quanto os audíveis clamores do interior, porém eminentemente preciosos. Inaugura também uma cruzada contra a mecânica exploração do nevoeiro. Põe placas na entrada, salientando sobre a necessidade do Guia, que percorre e conhece todos os caminhos - reza a lenda de que na verdade é tudo sobre Ele, o mais sagaz explorador que já chegou ao outro lado e deixou uma vereda. Por fim, num último esforço, insiste em propagar que um nevoeiro, enquanto configurar-se como tal, será sempre uma úmida densidade de baixa visibilidade.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

De outros carnavais

Por Robson Wellington

Durante minha infância, meu avô costumava passar o Carnaval conosco. Lembro que ele conseguia ver todo o desfile. O seu sambar era um tímido balançar de pés sentado enquanto acompanhava a transmissão. Ele compartilhou comigo o segredo para ficar acordado por toda madrugada. A cada intervalo ele lavava o rosto. Eu nunca conseguia. Na manhã seguinte ele contava tudo o que tinha acontecido. O mais belo desfile. O carro que quebrou. A escola que perdeu ponto. Herdei dele a torcida pela Portela. Adorava o tradicional cachorro-quente e o samba-enredo tocando bem alto durante todo o dia lá em casa. Como corria de medo do bate-bola na rua! Ah, guardo boas lembranças desses carnavais!

As origens do Carnaval têm sido buscadas nas mais antigas celebrações da humanidade. O ponto de concordância é que eram festas associadas a fenômenos astronômicos e a ciclos naturais. Festa para comemorar a renovação da natureza e espantar os demônios da má colheita. Com o tempo foram inseridos novos elementos como bebidas e sexo. Os cristãos taxaram o Carnaval como festa profana. Na Idade Média, porém, ela foi cristianizada, passando a fazer parte do calendário religioso. Dias gordos onde “carne vale” antecedendo os quarenta dias sem comer carne da Quaresma. A partir do Renascimento, as festas voltaram a incorporar outros elementos e foi se firmando um caráter mais popular. Cada cidade brincava de um jeito, de acordo com seus costumes.

Não tem como negar que o Carnaval é uma forte manifestação da cultura brasileira. Também não tem como negar que os evangélicos em geral tem grande dificuldade de se relacionar com a cultura que os cerca de forma pacífica. Reside nos corações um grande medo de perder a fé ou ser atacado pelo inimigo que sorrateiramente nos espreita atrás de cada manifestação cultural. Já participei de retiros espirituais. Já participei de impactos evangelísticos. E até vivi boas experiências. Respeito profundamente a sinceridade nas motivações de quem participa de uma coisa ou de outra nesses extremos de posicionamento diante dessa festividade. Mas não consigo mais. O sectarismo cultural dos retiros e o imperialismo cultural dos impactos não encontram mais eco em mim.

Algumas pessoas resistem ao Evangelho, não porque o achem falso, mas porque vêem nele uma ameaça à sua cultura, especialmente quanto à estrutura de sua sociedade e identidade grupal. Jesus realmente é um perturbador da ordem. Mas ele também é um pacifista. Há em cada cultura aspectos que não são incompatíveis com o senhorio de Cristo, e que, portanto não precisam ser ameaçadas ou descartadas, mas, antes preservadas e transformadas. Isso requer uma profunda compreensão e apreciação cultural. Infelizmente, preferimos “fechar o corpo” entre as quatro paredes geladas de nossos templos ou sítios ou entrar em guerra espiritual bombardeando uma mensagem alienígena. O resultado é que muito ressentimento é suscitado. A mensagem não é vista como evangelismo, mas sim condenação e imposição de costumes.

Vale lembrar que “é outro o Carnaval que tanto anseio. Não o de salões abarrotados de gritos desconexos nem o de desfiles que disfarçam de luxo a indigência do povo. Quero a alegria d'alma, arlequim bailando em meu espírito, o odor suave da colombina afagando os meus cabelos. Quero a serpentina enlaçando fraternuras e confetes salpicando de estrelas os telhados de meus sonhos. Quero o Rei Momo premiando o meu país de farturas e o corso da alegria atravessando as ruas dos meus passos”. Sonho com o cumprimento da visão da unção maravilhosa da música “Brasileirinho” pelo Espírito de Deus e de centenas de pastores dançando ao som do chorinho. Deixando bem claro que tudo que é belo e bom provêm do Deus que é Senhor sobre toda atividade cultural humana, inclusive o Carnaval.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Viagem e detalhes

Por Robson Wellington

Deixar para arrumar a mala no dia da viagem é algo que pode acontecer. Não ter tempo para comer nada antes de sair de casa, se arrumar às pressas, perder o avião pode acontecer. Beber na rua um famigerado caldo de cana que trouxe à memória os inesquecíveis lanches na feira da infância e ficar de molho dois dias tomando soro, pode acontecer. Emprestar seu livro favorito a um amigo, que se tornou irmão na véspera da viagem, achando que o terá de volta quando retornar pode acontecer. Descobrir que todos já viram e desdenharam do filme fabuloso que assistiu e tirou seu sono despertando todas as suas emoções. Isso pode acontecer. Brigar com o taxista que está coberto de razão, não correndo por causa do trânsito complicado, enquanto estamos errados pelo atraso, sustentando que estamos certos, isso também acontece.

E a mala que tinha excesso de peso de coisas desnecessárias? E a luz que faltou e não voltou justamente na sua casa, atrapalhando seu precário programa? E as horas que o avião atrasou? E o dinheiro do táxi que poderia ter sido economizado? E o amigo que ia junto, mas desistiu em cima da hora... logo ele que havia planejado com você todos os detalhes da viagem desde o princípio... E o outro amigo que surpreendentemente decidiu ir... É verdade que alguns que embarcam, realmente, não viajam. Vão apenas passear de avião e sentir saudades, levando tudo o que vivem aqui para o lado de lá do mar. Outros não embarcam, mas realmente viajam, vivem voando - não de avião, trazendo tudo de onde ainda não foram para aquilo que são aqui. Tem gente que não se desconecta.

Deixar pra resolver uma semana antes da partida quem ficará cuidando da casa, da cachorrinha, das correspondências, onde ficará hospedado, quem o recepcionará representa um grande risco de entrar estressado no vôo, incomodando todo mundo como foi com o pobre motorista de táxi. Detalhes como uma mala carregável (como é ruim arrumar mala!), um bom livro para se proteger dos chatos, MP3 para se proteger de si mesmo quando começar a pressentir a morte e cismar com a turbina barulhenta, ou ainda ficar indeciso pela separação da namorada, pela faculdade trancada, pela licença do trabalho, pela mãe que ficará sozinha e precisa de você, enfim... Detalhes deixam de ser detalhes quando se trata de uma longa viagem.

Viajar é maravilhoso! Viagem, vida e detalhes. Geralmente, cada um viaja de um modo parecido com o jeito que leva a vida. Tem gente que não consegue se desvencilhar e mesmo longe querem estar de olho em tudo. Outros caminham para um futuro que não é nítido que será construído pelo caminho. Não sabem muito bem de onde vieram e para onde vão. Os manuais de viagem não são levados muito a sério, tudo pode acontecer. Por outro lado, os roteiros de viagens tem muito a ver com a historicidade do viajante.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Ainda no deserto

Por Robson Wellington

Não sei se você acompanhou aquela história sobre deserto no post anterior, mas tenho que confessar que não gostei da maneira que aquela história terminou. Faltou a moral da história, o final feliz, os rios de água viva fluindo, o deserto sendo transformado em jardim. Fiquei com uma forte e perturbadora impressão de um deserto ontológico. Será isso mesmo?

Passei horas tentando criar um epílogo decente. Algo que pudesse transmitir uma mensagem mais clara de que tudo que é humano deve conter em si alegria e tristeza, de que Jesus, o "homem de dores" também se alegrava e exultava no espírito.

Fui pesquisar e descobri que os desertos, algumas vezes, contêm depósitos minerais valiosos que foram formados em seu ambiente árido. Por serem locais secos, os desertos são locais ideais para a preservação de artefatos humanos. E ao contrário do que muita gente pensa, possui vegetação. E olha que curioso: nas fendas do solo ou debaixo das rochas. Lembrei da caverna. Os animais e plantas do deserto têm marcantes adaptações à falta de água, alguns podem passar a vida inteira sem beber água. Ou seja: deserto é deserto, mas há vida no deserto.

E assim, pretendia continuar buscando a conclusão ideal, mas subitamente percebi que estava sendo no mínimo prolixo. Não havia nada mais para acrescentar à história. A eloqüência havia sido superada pelo sussurro. A estrutura havia sido superada pelo despojamento. A prosa havia sido transformada em poesia. Sim, a história parece que terminou com um emblemático “até aqui”.

Mas, de que mais precisaria um homem aceito por aquele que era maior do que ele senão de uma desafiadora esperança? Imagine então, uma esperança além do deserto, além do tempo e espaço, além da vida; e ele semelhante a um veleiro, preferindo a aventura de navegar ao sabor do vento indomável do Grande Aventureiro, sem a menor pretensão de achar um porto. E eu sei, como nenhum outro, não me pergunte como, que foi exatamente assim que aconteceu.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Deserto

Por Robson Wellington

Procurou durante muito tempo algo que pudesse servir de consolo, ou apenas identificação com sua experiência de deserto. Ouviu que as motivações erradas do coração, a ausência de celebração e devoção, a indisciplina, a falta de compromisso com Deus, a prática de obras segundo seu coração, a incredulidade, uma mente mundana, os relacionamentos inadequados e as falhas na santificação são características gerais dos crentes que vivem no deserto. A maioria dos sermões que ouviu, dos livros e artigos que leu, dizia resumidamente, que o deserto espiritual é a figura dos crentes carnais citados no Novo Testamento. Acabou mais angustiado.

Os religiosos possuem uma certeza assustadora. Como julgam saber toda a verdade, cheios de empáfia, pensam ser capazes de discernir todos aqueles que ainda não a alcançaram e de prescreverem seus dogmáticos medicamentos desumanizadores, para levá-los de volta à sua verdade! Muitos desenvolveram uma espiritualidade que não tem lugar para dor e sofrimento. O ideal a ser perseguido é o do super-crente, do filho do Rei que ora e melhora, que tudo pode naquele que o fortalece. O deserto espiritual é uma contradição que precisa ser eliminada.

Nossa sociedade possui raízes no hedonismo que ensina a buscar no prazer o sucesso do ser. A “moral cristã” substituiu o prazer pela alegria santa, pelo êxtase religioso, mas manteve sua maldição sobre a tristeza. Carregamos certa culpa pelo prazer do corpo e muita culpa por qualquer dor ou sofrimento que não tenha uma causa aparente aceitável. Ou seja: o sofrimento causado pela morte de uma pessoa querida é até justificável, mas períodos de sofrimento causado por algo abstrato é sempre rotulado como fruto de pecado, falta de fé ou opressão maligna. No entanto, a popular promessa religiosa de uma vida acima do bem e do mal não é uma verdade prática, além de ser uma perversão do ensino do Evangelho sobre a vida cristã.

Esse tipo de argumentação, mesmo sendo a da maioria, não foi a única encontrada. Uma minoria alardeava o extremo oposto. Dizia que o deserto é o melhor lugar para se estar, a escola de Deus, uma obra de Deus para onde ele envia seus eleitos, um terreno a ser buscado de acordo com vários exemplos dentro do ideal monástico. O grande problema desse argumento é que ele simplesmente não funciona. Dizer que algo ruim e doloroso é bom e agradável, não o torna bom e agradável, como se a simples negação ou confissão positiva pudesse milagrosamente fazer alguma diferença. Apenas um desvairado que não está com a navalha na carne poderia sugerir algo desse tipo. A solução, também não estava no cultivo de algum tipo de piedade desencarnada, tampouco, de atitude conformista.

Concluiu que as respostas que a religião oferecia apresentavam Deus, Cristo e a Bíblia, todos sem a graça. Eram respostas que não eram respostas ou eram apenas areia no deserto. Aceitá-las só aprofundaria a situação e inviabilizaria qualquer possibilidade de esperança. O consolo e identificação não foram encontrados. Então, desistiu da busca, entrou na caverna. Paradoxalmente, foi exatamente nesse momento, que percebeu que seu desejo desesperado de fugir do deserto acabou o separando de si mesmo. Na busca por receitas e conceitos, havia se divorciado do que era essencial e fundamental em sua própria existência. Então, se aquietou. Era preciso um duro reencontro consigo mesmo. Procurou desnudar seu coração e encarar no espelho todas as suas idiossincrasias. O deserto estava nele. E ele estava no deserto.

Deserto pode ser mais do que uma grande extensão de areia com pouca água. Deserto pode ser um estado espiritual. Um estado espiritual de esgotamento, onde não encontramos forças, nem motivações para continuar. Deserto pode ser uma região desabitada. Deserto pode ser um profundo sentimento de solidão. Uma solidão em relação a Deus, aos outros e a nós mesmos. Deserto pode ser quando caminhamos através de um vale escuro de uma vida sem sentido, cheia de dores, questionamentos e inquietações. Um caminhar que a cada passo faz crescer a nossa aversão pela nossa própria indiferença, fraqueza, hostilidade e falta de direção. Um caminhar frustrado por ver que dia após dia, ano após ano, o padrão de perfeição e santidade não foi alcançado, quando compulsões e pecados antigos reinam dentro de nós como reinaram antes, quando o desespero destrói toda a alegria e coragem. Deserto pode ser a sensação de que tudo está velho, desgastado e sem vida. A sensação de que tudo aquilo que nos alegrava, já não nos alegra mais. A música, o sermão, a leitura bíblica, a oração, o evangelismo, as reuniões, tudo se torna vão e enfadonho.

As suas feridas ardiam e as suas lágrimas rolavam pela exposição dos ressentimentos com Deus e com os outros; da mediocridade e hipocrisia; das quebras de lei interiores, nas concessões à estrutura; da necessidade de aceitação; da adesão ao ativismo religioso; da desenfreada busca de êxtase, modelos, receitas e conceitos; da constante insatisfação; do medo das comparações, de não conseguir manter as aparências, de não alcançar o alvo e de não ter sucesso. Em completo quebrantamento, na noite escura dos sentidos, no colapso de todas as certezas, na total falência de todo apoio humano, de repente, um murmúrio de uma brisa suave irrompe o silêncio da caverna, sussurrando: “Você é amado. Você é aceito. Você é meu. Não procure nada; não faça nada; não pretenda nada. Aceite simplesmente o fato de que você é amado; você é aceito; você é meu!”.

A imensa doçura e profundidade dessas palavras remeteram seus olhos imediatamente para o “homem de dores e que sabe o que é padecer”, para aquele que disse que “a minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal”. Por uma fé doada uniu-se ao sofrimento de Cristo. Por um momento, não estava mais na caverna, estava no Calvário. A dor; o sangue; as feridas; a coroa de espinhos; a zombaria. Ali contemplou Jesus, abandonado pelos seus amigos; abandonado pela natureza, onde até o sol se escondia; abandonado pelo Pai. “Meu Deus! Meu Deus! Porque me abandonaste?” A paixão de Cristo, na experiência de ser abandonado por Deus recebe um significado novo, central e profundo.

Enfim, o consolo e identificação são encontrados no Deus que passou pelo horror humano do pessimismo na sexta-feira da Paixão. A redescoberta de Deus veio acompanhada pela arrebatadora esperança da ressurreição no domingo de Páscoa. Um poderoso sopro de graça e esperança. E nada foi demandado dessa experiência, nada senão aceitação.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Primavera da alma

Por Eliel Moura

Ela soube da morte da irmã mais velha quando tinha seis anos de idade. Voltava da escola e observou sua casa cheia de gente. Viu que todos choravam e também começou a chorar mesmo sem saber o que havia acontecido; era só uma criança. Na casa a irmã mais velha era como uma mãe para ela, entretanto fora assassinada a tiros pelo próprio marido. Foi sua grande perda. Desde então, sempre quando ia da escola para casa, perguntava às pessoas na rua se haviam percebido muita gente em seu lar. Isso se tornara um sinal de problemas. Só depois de certificar que a situação era normal é que voltava, fazia isso sempre. Tinha medo de que em seu retorno tivesse novamente outra trágica notícia.

Um ano depois a casa estava novamente cheia. Outra irmã, quase com sua idade, morrera queimada num acidente na casa. A luz faltou, a lamparina acesa e a inexplicável constatação de que a perda novamente assolara aquela família. Ela viu quando a pequena irmãzinha em chamas gemia por socorro. A irmã ficou três dias no hospital e ninguém precisou lhe dar a notícia, viu de novo o domicílio repleto de parentes, vizinhos e amigos. A menina não resistira às queimaduras.

Ouvi essa história e fiz força para apreender qual sentimento e extensão de dor esses eventos causaram naquela jovem. Usei para isto as lembranças das minhas próprias aflições passadas, tentei rememorar os momentos mais difíceis por que passei para chegar a algo próximo do seu sofrimento. Identificação: uma palavra que pode descrever minha tentativa. Todos nós em diferentes circunstâncias já tivemos a alma quebrada e podemos, mesmo que de forma imperfeita, identificar-nos com alguém na sua dor. A cada detalhe da história eu podia me comover e ter compaixão daquela criancinha. Fui capaz de imaginar quão desesperada e insegura ela se sentira. Consegui ver seu mundo ruindo e seus sentimentos sendo duramente feridos. Desta vez não me detive em indagar sobre o porquê do sofrimento. Esta questão, uma das mais investigadas e debatidas pela cristandade no decorrer dos tempos, não foi o objeto da minha reflexão, não desta vez! Eu só conseguia pensar em como ela superara isso tudo.

Aquele que é “homem de dores e que sabe o que é padecer” (Is 53:3) se identifica conosco. Jesus Cristo de fato estava envolvido na história de superação daquela jovem, esteve na minha e na sua também. Quando estamos no apogeu da dor e da crise, as dramáticas perguntas questionando as causas do problema tornam-se nosso objeto principal de avalio; porém, os experimentados nas dores começam a calar-se. Descobrem e aproveitam os outrora inefáveis caminhos de Deus que nestes episódios são revelados. O silêncio de Jó é paradigmático para nós, devemos aprender com ele. Representa a descoberta da soberania e sabedoria de Deus, foi o ato de desistência das conjecturas inférteis e caducas resultantes do desespero. Assim Jesus também caminhou como um cordeiro mudo rumo à crucificação. Esse silêncio é mais profundo do que a inexistência de som e palavras, não é passar simplesmente por um dilema calado, é sim uma disposição da alma. É ver Deus como o doador e sustentador da nossa vida em todas as circunstâncias.

Para aqueles que Nele esperam, vem sempre o dia da luz quente aquecendo a terra em sombra. o momento em que a mais profunda dor é redimida e se torna aliada. A primavera da alma é o tempo em que tudo começa a fazer sentido de novo. É quando de joelhos agradecemos a Deus pela sua espantosa inteligência e bondade. Todos os Seus planos são perfeitos e de novo o silêncio se torna a mais correta adoração. É um evento tão sublime! Os que passaram pelo processo não pediram para entrar nele, não gostariam de vivê-lo de novo, entretanto concordarão que se tornaram pessoas melhores depois dele. Uns mais ousados poderão até lhe dizer que foi uma bênção, uma dádiva de Deus. Sim, a etapa final deste ciclo cristão universal por que todos um dia passaram ou passarão é majestosa. É um tempo onde as últimas peças do quebra-cabeça começam a ser encaixadas e a bela figura enfim vem à tona! Não há ninguém que não se sinta renovado, vitorioso e fortalecido dentro de si no florescer desta estação esperançosa e cheia de apaziguamento. A Bíblia chama de feliz aquele que chora, porque chega o dia em que é consolado (Mt 5:5).

Um número enorme de cristãos está sendo enganado. Muitos andam armados tentando salvar a própria vida, achando que tudo que foge a uma existência próspera e pacata não faz parte da dinâmica espiritual. Infelizmente quando chega a tempestade, que de fato chega a todos, são estes os que enlouquecem ou se desesperançam. São como os amigos de Jó, buscando sempre uma explicação, um erro ou uma falha para justificar os acontecimentos. Precisamos nos afastar destes falsos padrões. Certamente não são fáceis os dilemas e desajustes do período de sombras, mas o que tenho visto é um número incontável de pessoas vencendo essas fases. Dessas vidas que devemos nos cercar. Elas são para nós como o brilho distante do farol, que mesmo ainda longe certifica que para além há terra firme! São a prova empírica de que Deus é misericordioso e de que tudo vai dar certo!

Para os que ainda estão em aridez, a notícia é de que a jovem não tem mais medo do saque e do roubo da morte. Já não caminha traumatizada e insegura quanto ao que poderá acontecer consigo e com aqueles a quem ama. Jesus entrou na sua vida e venceu a morte. Sua história e tragédias pessoais sem dúvida a marcaram, afetando-a indelevelmente. Mas estas lembranças e eventos são sinais da glória e do poder de Deus na sua vida, não devem mesmo ser apagadas! São as amostras da maravilhosa redenção que existe no nome de Jesus. Mesmo diante de tudo que nos ocorre, Ele continua prometendo que tudo contribuirá para o nosso bem. Ter bom ânimo, acreditando que chegará o dia da primavera da alma para nós, é nisto que devemos nos apegar!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Minhas etiquetas

Por Robson Wellington

Em tempos de franquias gospel, depois de ter percorrido uma longa estrada que começou em comunidades pentecostais e terminou em comunidades reformadas, quero dizer que esse lance de embalagens, rótulos e etiquetas me irritam um pouco - principalmente entre cristãos. Hoje não estou tão disposto a dizer que sou presbiteriano como estive há anos atrás em dizer que era assembleiano, apesar de crer que a autoridade não está na hierarquia e sentir ojeriza quando qualquer pessoa se sobrepõe às demais sem uma correspondente representação.

Calvinista? Pentecostal? Pós-milenista? Ecumênico? Teologicamente conservador? Culturalmente liberal? Sou um pouco de tudo isso e nada disso ao mesmo tempo. Longe de ser esquizofrenia espiritual ou apenas alguma tendência pós-moderna de pluralismo ou relativismo, o que sinto atualmente é uma grande desconfiança nas etiquetas e rótulos que nunca dizem toda a verdade, são objetos de orgulho e causa de tanta competição. Outro grande problema da rotulação é que em geral ela é obtusa, não reconhecendo vida inteligente fora dos limites dos seus arraiais, e eu não desprezo aqueles que pensam diferente. Na verdade, tenho procurado fugir de perguntas como essas que esperam uma etiqueta como resposta. Eu aprecio especialmente o fato de muitas vezes me posicionar sobre nas fronteiras que costumam dividir os cristãos. Assim, num determinado momento todos apontam as armas pra mim e no outro todos me convidam pra cear.

Falando em rótulos e etiquetas, uma delas me persegue atualmente, inclusive aparecendo nos depoimentos de amigos no Orkut: calvinista. Antes de falar sobre essa etiqueta, gostaria de declarar que creio na soberania de Deus. Estou convencido de que as Escrituras ensinam que Deus é soberano não apenas na salvação (efetivamente chamando e concedendo fé aqueles que Ele escolheu), mas também em todos os detalhes da Providência. “Aqueles que Ele predestinou, a estes também chamou; aqueles que Ele chamou estes também justificou; e aqueles que Ele justificou estes Ele também glorificou” (Romanos 8:30). E Ele fez “todas as coisas cooperarem para o bem daqueles que amam a Deus, isto é, para aqueles que são chamados de acordo com Seu propósito” (Romanos 8:28). Resumindo de modo simples, Ele “faz todas as coisas de acordo com o conselho de Sua vontade” (Efésios 1:11). O Salvador declarou “dou a minha vida pelas ovelhas” e “eu as conheço” (João 10:15,27), sei que “Ele nos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” (Efésios 2:1) e agora “jamais perecerão, eternamente, e ninguém as arrebatará da minha mão” (João 10:28). Se é isso que as pessoas chamam de “calvinismo”, eu até aceito a etiqueta de “calvinista”.

No entanto, vale lembrar que o sistema conhecido como “calvinismo” não teve sua origem em Calvino. Não me comprometo a ser submisso ao homem João Calvino, não ratifico tudo o que ele ensinou e não fecho os olhos a tudo o que fez. E também não me comprometo exclusivamente com nenhuma estrutura ou segmento que se chame por esse nome. Sobre esse mesmo rótulo, Charles Spurgeon costumava dizer que só o utilizava por uma questão de brevidade, estando disposto a chamar as coisas em que ele acreditava por qualquer outra designação que fosse melhor compreendida e desse conta da totalidade dos fatos.

Hoje, diferente de algum tempo atrás, não sou mais um daqueles que usam o “calvinismo”, para desafiar pessoas a lutarem comigo, porque isso já está muito bem resolvido em mim e tenho valorizado muito mais as minhas próprias sínteses, procurando ser o mais textual e contextual possível e o menos sistemático e dogmático possível. Não quero chegar a triste percepção de que "já não me convém o título de homem" do final do poema Eu,etiqueta de Carlos Drummond de Andrade. Os especialistas em marketing dizem que a forma da embalagem pode ser quase tão importante quanto o conteúdo dos produtos. O Evangelho diz que "Deus não vê como o homem; o homem vê a aparência, mas Deus vê o coração". Então, que apenas Ele seja a nossa bandeira.

A Ele a glória!