quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Ainda no deserto

Por Robson Wellington

Não sei se você acompanhou aquela história sobre deserto no post anterior, mas tenho que confessar que não gostei da maneira que aquela história terminou. Faltou a moral da história, o final feliz, os rios de água viva fluindo, o deserto sendo transformado em jardim. Fiquei com uma forte e perturbadora impressão de um deserto ontológico. Será isso mesmo?

Passei horas tentando criar um epílogo decente. Algo que pudesse transmitir uma mensagem mais clara de que tudo que é humano deve conter em si alegria e tristeza, de que Jesus, o "homem de dores" também se alegrava e exultava no espírito.

Fui pesquisar e descobri que os desertos, algumas vezes, contêm depósitos minerais valiosos que foram formados em seu ambiente árido. Por serem locais secos, os desertos são locais ideais para a preservação de artefatos humanos. E ao contrário do que muita gente pensa, possui vegetação. E olha que curioso: nas fendas do solo ou debaixo das rochas. Lembrei da caverna. Os animais e plantas do deserto têm marcantes adaptações à falta de água, alguns podem passar a vida inteira sem beber água. Ou seja: deserto é deserto, mas há vida no deserto.

E assim, pretendia continuar buscando a conclusão ideal, mas subitamente percebi que estava sendo no mínimo prolixo. Não havia nada mais para acrescentar à história. A eloqüência havia sido superada pelo sussurro. A estrutura havia sido superada pelo despojamento. A prosa havia sido transformada em poesia. Sim, a história parece que terminou com um emblemático “até aqui”.

Mas, de que mais precisaria um homem aceito por aquele que era maior do que ele senão de uma desafiadora esperança? Imagine então, uma esperança além do deserto, além do tempo e espaço, além da vida; e ele semelhante a um veleiro, preferindo a aventura de navegar ao sabor do vento indomável do Grande Aventureiro, sem a menor pretensão de achar um porto. E eu sei, como nenhum outro, não me pergunte como, que foi exatamente assim que aconteceu.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Deserto

Por Robson Wellington

Procurou durante muito tempo algo que pudesse servir de consolo, ou apenas identificação com sua experiência de deserto. Ouviu que as motivações erradas do coração, a ausência de celebração e devoção, a indisciplina, a falta de compromisso com Deus, a prática de obras segundo seu coração, a incredulidade, uma mente mundana, os relacionamentos inadequados e as falhas na santificação são características gerais dos crentes que vivem no deserto. A maioria dos sermões que ouviu, dos livros e artigos que leu, dizia resumidamente, que o deserto espiritual é a figura dos crentes carnais citados no Novo Testamento. Acabou mais angustiado.

Os religiosos possuem uma certeza assustadora. Como julgam saber toda a verdade, cheios de empáfia, pensam ser capazes de discernir todos aqueles que ainda não a alcançaram e de prescreverem seus dogmáticos medicamentos desumanizadores, para levá-los de volta à sua verdade! Muitos desenvolveram uma espiritualidade que não tem lugar para dor e sofrimento. O ideal a ser perseguido é o do super-crente, do filho do Rei que ora e melhora, que tudo pode naquele que o fortalece. O deserto espiritual é uma contradição que precisa ser eliminada.

Nossa sociedade possui raízes no hedonismo que ensina a buscar no prazer o sucesso do ser. A “moral cristã” substituiu o prazer pela alegria santa, pelo êxtase religioso, mas manteve sua maldição sobre a tristeza. Carregamos certa culpa pelo prazer do corpo e muita culpa por qualquer dor ou sofrimento que não tenha uma causa aparente aceitável. Ou seja: o sofrimento causado pela morte de uma pessoa querida é até justificável, mas períodos de sofrimento causado por algo abstrato é sempre rotulado como fruto de pecado, falta de fé ou opressão maligna. No entanto, a popular promessa religiosa de uma vida acima do bem e do mal não é uma verdade prática, além de ser uma perversão do ensino do Evangelho sobre a vida cristã.

Esse tipo de argumentação, mesmo sendo a da maioria, não foi a única encontrada. Uma minoria alardeava o extremo oposto. Dizia que o deserto é o melhor lugar para se estar, a escola de Deus, uma obra de Deus para onde ele envia seus eleitos, um terreno a ser buscado de acordo com vários exemplos dentro do ideal monástico. O grande problema desse argumento é que ele simplesmente não funciona. Dizer que algo ruim e doloroso é bom e agradável, não o torna bom e agradável, como se a simples negação ou confissão positiva pudesse milagrosamente fazer alguma diferença. Apenas um desvairado que não está com a navalha na carne poderia sugerir algo desse tipo. A solução, também não estava no cultivo de algum tipo de piedade desencarnada, tampouco, de atitude conformista.

Concluiu que as respostas que a religião oferecia apresentavam Deus, Cristo e a Bíblia, todos sem a graça. Eram respostas que não eram respostas ou eram apenas areia no deserto. Aceitá-las só aprofundaria a situação e inviabilizaria qualquer possibilidade de esperança. O consolo e identificação não foram encontrados. Então, desistiu da busca, entrou na caverna. Paradoxalmente, foi exatamente nesse momento, que percebeu que seu desejo desesperado de fugir do deserto acabou o separando de si mesmo. Na busca por receitas e conceitos, havia se divorciado do que era essencial e fundamental em sua própria existência. Então, se aquietou. Era preciso um duro reencontro consigo mesmo. Procurou desnudar seu coração e encarar no espelho todas as suas idiossincrasias. O deserto estava nele. E ele estava no deserto.

Deserto pode ser mais do que uma grande extensão de areia com pouca água. Deserto pode ser um estado espiritual. Um estado espiritual de esgotamento, onde não encontramos forças, nem motivações para continuar. Deserto pode ser uma região desabitada. Deserto pode ser um profundo sentimento de solidão. Uma solidão em relação a Deus, aos outros e a nós mesmos. Deserto pode ser quando caminhamos através de um vale escuro de uma vida sem sentido, cheia de dores, questionamentos e inquietações. Um caminhar que a cada passo faz crescer a nossa aversão pela nossa própria indiferença, fraqueza, hostilidade e falta de direção. Um caminhar frustrado por ver que dia após dia, ano após ano, o padrão de perfeição e santidade não foi alcançado, quando compulsões e pecados antigos reinam dentro de nós como reinaram antes, quando o desespero destrói toda a alegria e coragem. Deserto pode ser a sensação de que tudo está velho, desgastado e sem vida. A sensação de que tudo aquilo que nos alegrava, já não nos alegra mais. A música, o sermão, a leitura bíblica, a oração, o evangelismo, as reuniões, tudo se torna vão e enfadonho.

As suas feridas ardiam e as suas lágrimas rolavam pela exposição dos ressentimentos com Deus e com os outros; da mediocridade e hipocrisia; das quebras de lei interiores, nas concessões à estrutura; da necessidade de aceitação; da adesão ao ativismo religioso; da desenfreada busca de êxtase, modelos, receitas e conceitos; da constante insatisfação; do medo das comparações, de não conseguir manter as aparências, de não alcançar o alvo e de não ter sucesso. Em completo quebrantamento, na noite escura dos sentidos, no colapso de todas as certezas, na total falência de todo apoio humano, de repente, um murmúrio de uma brisa suave irrompe o silêncio da caverna, sussurrando: “Você é amado. Você é aceito. Você é meu. Não procure nada; não faça nada; não pretenda nada. Aceite simplesmente o fato de que você é amado; você é aceito; você é meu!”.

A imensa doçura e profundidade dessas palavras remeteram seus olhos imediatamente para o “homem de dores e que sabe o que é padecer”, para aquele que disse que “a minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal”. Por uma fé doada uniu-se ao sofrimento de Cristo. Por um momento, não estava mais na caverna, estava no Calvário. A dor; o sangue; as feridas; a coroa de espinhos; a zombaria. Ali contemplou Jesus, abandonado pelos seus amigos; abandonado pela natureza, onde até o sol se escondia; abandonado pelo Pai. “Meu Deus! Meu Deus! Porque me abandonaste?” A paixão de Cristo, na experiência de ser abandonado por Deus recebe um significado novo, central e profundo.

Enfim, o consolo e identificação são encontrados no Deus que passou pelo horror humano do pessimismo na sexta-feira da Paixão. A redescoberta de Deus veio acompanhada pela arrebatadora esperança da ressurreição no domingo de Páscoa. Um poderoso sopro de graça e esperança. E nada foi demandado dessa experiência, nada senão aceitação.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Primavera da alma

Por Eliel Moura

Ela soube da morte da irmã mais velha quando tinha seis anos de idade. Voltava da escola e observou sua casa cheia de gente. Viu que todos choravam e também começou a chorar mesmo sem saber o que havia acontecido; era só uma criança. Na casa a irmã mais velha era como uma mãe para ela, entretanto fora assassinada a tiros pelo próprio marido. Foi sua grande perda. Desde então, sempre quando ia da escola para casa, perguntava às pessoas na rua se haviam percebido muita gente em seu lar. Isso se tornara um sinal de problemas. Só depois de certificar que a situação era normal é que voltava, fazia isso sempre. Tinha medo de que em seu retorno tivesse novamente outra trágica notícia.

Um ano depois a casa estava novamente cheia. Outra irmã, quase com sua idade, morrera queimada num acidente na casa. A luz faltou, a lamparina acesa e a inexplicável constatação de que a perda novamente assolara aquela família. Ela viu quando a pequena irmãzinha em chamas gemia por socorro. A irmã ficou três dias no hospital e ninguém precisou lhe dar a notícia, viu de novo o domicílio repleto de parentes, vizinhos e amigos. A menina não resistira às queimaduras.

Ouvi essa história e fiz força para apreender qual sentimento e extensão de dor esses eventos causaram naquela jovem. Usei para isto as lembranças das minhas próprias aflições passadas, tentei rememorar os momentos mais difíceis por que passei para chegar a algo próximo do seu sofrimento. Identificação: uma palavra que pode descrever minha tentativa. Todos nós em diferentes circunstâncias já tivemos a alma quebrada e podemos, mesmo que de forma imperfeita, identificar-nos com alguém na sua dor. A cada detalhe da história eu podia me comover e ter compaixão daquela criancinha. Fui capaz de imaginar quão desesperada e insegura ela se sentira. Consegui ver seu mundo ruindo e seus sentimentos sendo duramente feridos. Desta vez não me detive em indagar sobre o porquê do sofrimento. Esta questão, uma das mais investigadas e debatidas pela cristandade no decorrer dos tempos, não foi o objeto da minha reflexão, não desta vez! Eu só conseguia pensar em como ela superara isso tudo.

Aquele que é “homem de dores e que sabe o que é padecer” (Is 53:3) se identifica conosco. Jesus Cristo de fato estava envolvido na história de superação daquela jovem, esteve na minha e na sua também. Quando estamos no apogeu da dor e da crise, as dramáticas perguntas questionando as causas do problema tornam-se nosso objeto principal de avalio; porém, os experimentados nas dores começam a calar-se. Descobrem e aproveitam os outrora inefáveis caminhos de Deus que nestes episódios são revelados. O silêncio de Jó é paradigmático para nós, devemos aprender com ele. Representa a descoberta da soberania e sabedoria de Deus, foi o ato de desistência das conjecturas inférteis e caducas resultantes do desespero. Assim Jesus também caminhou como um cordeiro mudo rumo à crucificação. Esse silêncio é mais profundo do que a inexistência de som e palavras, não é passar simplesmente por um dilema calado, é sim uma disposição da alma. É ver Deus como o doador e sustentador da nossa vida em todas as circunstâncias.

Para aqueles que Nele esperam, vem sempre o dia da luz quente aquecendo a terra em sombra. o momento em que a mais profunda dor é redimida e se torna aliada. A primavera da alma é o tempo em que tudo começa a fazer sentido de novo. É quando de joelhos agradecemos a Deus pela sua espantosa inteligência e bondade. Todos os Seus planos são perfeitos e de novo o silêncio se torna a mais correta adoração. É um evento tão sublime! Os que passaram pelo processo não pediram para entrar nele, não gostariam de vivê-lo de novo, entretanto concordarão que se tornaram pessoas melhores depois dele. Uns mais ousados poderão até lhe dizer que foi uma bênção, uma dádiva de Deus. Sim, a etapa final deste ciclo cristão universal por que todos um dia passaram ou passarão é majestosa. É um tempo onde as últimas peças do quebra-cabeça começam a ser encaixadas e a bela figura enfim vem à tona! Não há ninguém que não se sinta renovado, vitorioso e fortalecido dentro de si no florescer desta estação esperançosa e cheia de apaziguamento. A Bíblia chama de feliz aquele que chora, porque chega o dia em que é consolado (Mt 5:5).

Um número enorme de cristãos está sendo enganado. Muitos andam armados tentando salvar a própria vida, achando que tudo que foge a uma existência próspera e pacata não faz parte da dinâmica espiritual. Infelizmente quando chega a tempestade, que de fato chega a todos, são estes os que enlouquecem ou se desesperançam. São como os amigos de Jó, buscando sempre uma explicação, um erro ou uma falha para justificar os acontecimentos. Precisamos nos afastar destes falsos padrões. Certamente não são fáceis os dilemas e desajustes do período de sombras, mas o que tenho visto é um número incontável de pessoas vencendo essas fases. Dessas vidas que devemos nos cercar. Elas são para nós como o brilho distante do farol, que mesmo ainda longe certifica que para além há terra firme! São a prova empírica de que Deus é misericordioso e de que tudo vai dar certo!

Para os que ainda estão em aridez, a notícia é de que a jovem não tem mais medo do saque e do roubo da morte. Já não caminha traumatizada e insegura quanto ao que poderá acontecer consigo e com aqueles a quem ama. Jesus entrou na sua vida e venceu a morte. Sua história e tragédias pessoais sem dúvida a marcaram, afetando-a indelevelmente. Mas estas lembranças e eventos são sinais da glória e do poder de Deus na sua vida, não devem mesmo ser apagadas! São as amostras da maravilhosa redenção que existe no nome de Jesus. Mesmo diante de tudo que nos ocorre, Ele continua prometendo que tudo contribuirá para o nosso bem. Ter bom ânimo, acreditando que chegará o dia da primavera da alma para nós, é nisto que devemos nos apegar!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Minhas etiquetas

Por Robson Wellington

Em tempos de franquias gospel, depois de ter percorrido uma longa estrada que começou em comunidades pentecostais e terminou em comunidades reformadas, quero dizer que esse lance de embalagens, rótulos e etiquetas me irritam um pouco - principalmente entre cristãos. Hoje não estou tão disposto a dizer que sou presbiteriano como estive há anos atrás em dizer que era assembleiano, apesar de crer que a autoridade não está na hierarquia e sentir ojeriza quando qualquer pessoa se sobrepõe às demais sem uma correspondente representação.

Calvinista? Pentecostal? Pós-milenista? Ecumênico? Teologicamente conservador? Culturalmente liberal? Sou um pouco de tudo isso e nada disso ao mesmo tempo. Longe de ser esquizofrenia espiritual ou apenas alguma tendência pós-moderna de pluralismo ou relativismo, o que sinto atualmente é uma grande desconfiança nas etiquetas e rótulos que nunca dizem toda a verdade, são objetos de orgulho e causa de tanta competição. Outro grande problema da rotulação é que em geral ela é obtusa, não reconhecendo vida inteligente fora dos limites dos seus arraiais, e eu não desprezo aqueles que pensam diferente. Na verdade, tenho procurado fugir de perguntas como essas que esperam uma etiqueta como resposta. Eu aprecio especialmente o fato de muitas vezes me posicionar sobre nas fronteiras que costumam dividir os cristãos. Assim, num determinado momento todos apontam as armas pra mim e no outro todos me convidam pra cear.

Falando em rótulos e etiquetas, uma delas me persegue atualmente, inclusive aparecendo nos depoimentos de amigos no Orkut: calvinista. Antes de falar sobre essa etiqueta, gostaria de declarar que creio na soberania de Deus. Estou convencido de que as Escrituras ensinam que Deus é soberano não apenas na salvação (efetivamente chamando e concedendo fé aqueles que Ele escolheu), mas também em todos os detalhes da Providência. “Aqueles que Ele predestinou, a estes também chamou; aqueles que Ele chamou estes também justificou; e aqueles que Ele justificou estes Ele também glorificou” (Romanos 8:30). E Ele fez “todas as coisas cooperarem para o bem daqueles que amam a Deus, isto é, para aqueles que são chamados de acordo com Seu propósito” (Romanos 8:28). Resumindo de modo simples, Ele “faz todas as coisas de acordo com o conselho de Sua vontade” (Efésios 1:11). O Salvador declarou “dou a minha vida pelas ovelhas” e “eu as conheço” (João 10:15,27), sei que “Ele nos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” (Efésios 2:1) e agora “jamais perecerão, eternamente, e ninguém as arrebatará da minha mão” (João 10:28). Se é isso que as pessoas chamam de “calvinismo”, eu até aceito a etiqueta de “calvinista”.

No entanto, vale lembrar que o sistema conhecido como “calvinismo” não teve sua origem em Calvino. Não me comprometo a ser submisso ao homem João Calvino, não ratifico tudo o que ele ensinou e não fecho os olhos a tudo o que fez. E também não me comprometo exclusivamente com nenhuma estrutura ou segmento que se chame por esse nome. Sobre esse mesmo rótulo, Charles Spurgeon costumava dizer que só o utilizava por uma questão de brevidade, estando disposto a chamar as coisas em que ele acreditava por qualquer outra designação que fosse melhor compreendida e desse conta da totalidade dos fatos.

Hoje, diferente de algum tempo atrás, não sou mais um daqueles que usam o “calvinismo”, para desafiar pessoas a lutarem comigo, porque isso já está muito bem resolvido em mim e tenho valorizado muito mais as minhas próprias sínteses, procurando ser o mais textual e contextual possível e o menos sistemático e dogmático possível. Não quero chegar a triste percepção de que "já não me convém o título de homem" do final do poema Eu,etiqueta de Carlos Drummond de Andrade. Os especialistas em marketing dizem que a forma da embalagem pode ser quase tão importante quanto o conteúdo dos produtos. O Evangelho diz que "Deus não vê como o homem; o homem vê a aparência, mas Deus vê o coração". Então, que apenas Ele seja a nossa bandeira.

A Ele a glória!