Por Robson Wellington
Compartilhei essa semana no meu grupo de discipulado a respeito de “pecado”. E como foi difícil tratar sobre um tema tão disputado pela religião dentro das pressuposições da revelação e da fé! Geralmente, o tema é abordado focando em “pecados” como maus comportamentos, ou seja, naquela velha lista do que podemos e do que não podemos fazer, na guarda da lei e da neurose culposa. Nada é mais fácil e comum do que alimentar o nosso carnal apetite por juízo sobre o próximo e auto-justificação diante de Deus. Por outro lado, é raro e difícil uma abordagem sobre “pecado” que explore a complexidade do décimo mandamento sobre a cobiça, com toda sua interioridade e intencionalidade, e pouco se fala sobre “errar o alvo”, “morte espiritual”, “alienação”, “separação” e “contradição”. Infelizmente, a maioria das abordagens sobre “pecado” levam muito pouco em consideração o ensino e a vida do único Sem-pecado. Em Jesus vemos “pecado” como indisposição e incapacidade de amar verdadeiramente a Deus, ao próximo e a si mesmo. Nesse sentido o “pecador” é totalmente inafetivo. A hipocrisia, a presunção, a arrogância, a justiça própria e a autoconfiança erram o alvo, matam a alma, contradizem, alienam e separam o homem de Deus. Nesse sentido o “pecador” é aquele que confia nos resultados de sua lei, moral e religião, e contra tudo e todos (inclusive a si mesmo) tenta tirar o cisco do olho do outro, sem retirar a trave do seu. Resumindo, podemos dizer que o foco é o “pecado” (absoluto) e não os “pecados” (relativos). A questão não é eventual, e sim ontológica.
No romance
Angústia, de Graciliano Ramos, o narrador e personagem Luís, faz justiça com suas próprias mãos, como um coronel ou cangaceiro do sertão, e acuado por pressentimentos apavorantes, sente a necessidade de compartilhar sua experiência solitária e infeliz, então, escreve uma sentença judicial autopunitiva, anterior à justiça dos homens, transformando-se em carrasco de si mesmo. O romance aparentemente catastrófico – composto de longas passagens obscuras do passado recente e estilhaços esclarecedores do passado remoto, busca cadência e harmonia pela função de ligadura emprestada às partes, mas as boas intenções da ficção se contrastam com a brutalidade do real, onde tudo aponta para a frustração e solidão do ser humano, e assim, o único acesso à vida digna é condicionada pela boa sorte na loteria. Vejo nesse romance o problema do “pecado” seguido da ação humana (religiosa e moralista), e até a possibilidade da ação de Deus. Ah, quem dera que todos percebessem que o Cristo é a ligadura, é a conjunção, é o nosso bilhete premiado!
O “pecado” não me surpreende, porque acredito que esse é um dos poucos pontos da doutrina que pode ser provado empiricamente. Não é necessário edificar nenhum monumento para a depravação das afeições humanas, porque basta lançar os olhos para qualquer pessoa, em qualquer lugar para se comprovar o terrível fato da reprodução do “pecado” em natural cumplicidade com nossos antepassados. Na verdade, o que me surpreende é a ênfase no “pecado” – pior ainda, nos “pecados” – em detrimento da ênfase na reconciliação e paz. A ira de Jesus não foi derramada sobre os publicanos, beberrões, prostitutas, pobres, cegos, aleijados, vacilantes, imperfeitos, confusos, equivocados e diferentes, mas sim sobre os religiosos e politicamente corretos do seu tempo, revelando que para Ele nada é mais pecaminoso do que as falsas e malignas noções de justiça e espiritualidade, com seu deliberado desprezo, rebelião e relativização em relação ao favor gratuito de Deus concedido aos pecadores arrependidos. Quando alguém mantém uma sadia relação com o Sagrado, ela torna-se santa e bela, pois aprende a humildemente descansar na graça e a exalar o seu bom perfume, por outro lado se essa relação com o Sagrado funda-se na justiça própria, orgulho e hipocrisia, nada se torna mais doentio e mortal. A História testemunha essa triste verdade abundantemente. Quantas atrocidades já foram cometidas em nome de Deus pelas religiões? Será que vamos continuar queimando as coitadas das bruxas por seus “pecados” para mascarar e atenuar nosso “pecado”?
Espero que ao invés disso, seja proclamada em alto e bom som, a Boa Notícia de que em Jesus a corrente de causa e efeito foi quebrada e, somos incondicionalmente e imerecidamente amados, perdoados e justificados. Nele o antônimo de “pecado” é a graça, e não a virtude humana. Ele fez tudo, absolutamente tudo o que era necessário para reconciliar o homem com Deus, e agora nada e ninguém pode nos separar dEle. Sim, esta é a Boa Notícia que declara paz, paz aos que estão perto e aos que estão longe. Uma paz que excede a todo entendimento e não é dada como a que o mundo dá. Precisamos nos questionar e responder para nós mesmos: Estou reconciliado com Deus? Estou com o coração pacificado? Estou confiando e dependendo de Jesus como a minha única tábua de salvação? Como é raro encontrar gente com o coração pacificado! Onde estão aquelas pessoas inteligentes que sabem que são estúpidas e aqueles discípulos honestos que sabem que são canalhas? Precisamos conviver da melhor forma possível com o fato da impossibilidade de bondade e perfeição absoluta. Como é difícil encontrar gente que conhece a Deus de modo que sobe aos céus e Ele está lá e que desce ao abismo e Ele também está lá! Oxalá, que todos soubessem que se supera o “pecado” – ou seja, a inafetividade, a alienação relacional – com um ato de confiança na total aceitação de Deus! “Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo”. Só assim, percebemos a tolice do esforço para obter o favor de Deus, para garantir valor próprio e da pressa competitiva para chegar na frente dos outros, acolhendo a revolucionária verdade de que nada pode fazer Deus nos amar mais ou menos fora de Sua livre e boa vontade. Reconhecer nossa falência é a nossa salvação e a Sua exaltação.
“E o Deus de paz seja com todos vós. Amém.”