Por Robson Wellington
"O poder do voto evangélico". Essa foi a manchete do jornal Folha Universal publicado em 28 de setembro. Em linhas gerais, a matéria ambiciona o despertamento da “consciência política”, da lembrança da existência de um “projeto divino” de formação de uma nação e da necessidade de “engajamento”. Divulgou o livro "Plano de Poder" do bispo Edir Macedo, auto-intitulado “um libelo contra a alienação e desinformação”. As aspas são todas minhas. Depois de ler o conteúdo da matéria tive a certeza de que deveria fazer alguma coisa, daí iniciei uma campanha contra o voto no candidato Marcelo Crivella para prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.
Muito distante de concordar com Tertuliano que declarou que Jerusalém (religião) e Atenas (cultura) não possuem nada em comum e, que sendo assim os cristãos deveriam participar da vida cultural o menos possível. Tenho que expressar a minha total desaprovação da politicagem burra, suja, retrógada, corporativista e prostituta da esmagadora maioria dos políticos evangélicos no Brasil. Sou de uma das cidades de maior proporção de evangélicos do país e que há 12 anos vive uma espécie de “gospel power”. Que desastre! Desgraçadamente, sou obrigado a concordar com um amigo que coloca candidatos que se dizem evangélicos no final da sua lista de opções.
É de um profundo analfabetismo bíblico e anacronismo histórico considerar necessário para o cumprimento do eterno projeto divino a utilização do conceito e estrutura do Estado moderno. A promoção e defesa do Evangelho é tarefa unicamente da Igreja que sempre triunfou e triunfará no poder do Espírito Santo. O que passar disso é discurso forjado para tentar espiritualizar a carnal tentação pelo poder que só convence os incautos.
“Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Isso foi o que o Deus encarnado disse sobre nossa participação na sociedade. E não há nada que inspire o isolacionismo passivo nessa declaração. Agostinho parece ter compreendido bem expondo que o Estado e a Igreja são duas espadas, debaixo do governo de Deus, ambas servindo aos propósitos divinos, mas independentes entre si. Calvino via o engajamento político (não necessariamente partidário, mas cidadão) dos cristãos como uma “sacrossanta vocação”. Os valores dos novos céus e da nova terra “onde habita a justiça” podem e devem ser fator determinante do nosso envolvimento político e social. Nesse assunto vale a máxima: Religião e Política, sim. Igreja e Estado, não.
Creio que os cristãos devem estar engajados na vida política do país, mas não da forma que tem sido feito. Creio que embora todas as pessoas sejam naturalmente depravadas e que o pecado permeie todas as ações e instituições humanas, Deus é soberano sobre toda a atividade cultural humana. Deus está estendendo um reino sobre a terra, e os cristãos devem responder obedientemente ao mandato de Deus, e servi-lo como “sal” e “luz” em todas as áreas da vida, incluindo a política. Como cristão devo lutar para reestruturar a sociedade onde vivo, moldando-a de acordo com os padrões divinos. Lutar por leis mais santas e justas, enquanto prego todo o Evangelho para o homem todo. Porque só assim os homens estarão capacitados para obedecer essas leis.
O bispo anglicano Robinson Calvancanti coloca a coisa da seguinte forma: “O mundo nunca será perfeito antes da Nova Jerusalém, mas pode estar muito pior em razão da nossa omissão ou do nosso apoio aos mais egoístas por interesses próprios. O engajamento obediente é um sinal de santidade ativa. Há a participação docente, intercessória e profética das igrejas como instituições, a dos cristãos individuais como cidadãos e a participação orgânica dos movimentos e instituições cristãs, levando em conta a conjuntura, as estruturas, as necessidades, as possibilidades, os dons e as vocações. A ação política (cidadã) não deve se limitar ao partidário nem, muito menos, ao eleitoral, mas a uma atitude de responsabilidade, sensibilidade, disponibilidade e intervenção no cotidiano, que é obediência e testemunho”.
E esse é um grande desafio. Diante disso, muitos preferem a acomodação e escapismo, desdobradas da falácia sobre o fim do mundo, dizendo que não foram chamados para organizarem o inferno. Mas pense comigo: Porque o inferno na Somália é pior do que na Suécia? Podemos influenciar, podemos reformar, podemos melhorar. Creio que a consumação da redenção do mundo (quando todas as coisas estiverem convergidas em Cristo) ainda está por vir, mas isto não elimina a realidade processual da qual somos atores protagonistas. Devemos hoje construir uma sociedade melhor. A Igreja é a principal agência do Reino de Deus e, fazendo assim, promoverá o reino que está sob o governo do Filho de Deus.
Voltando ao Crivella... Irmão vota em irmão? Depende. Ele é verdadeiramnete irmão? Está ligado a uma instituição genuinamente cristã? Tem valores cristãos? É tão difícil responder isso de quem quer que seja, que usar esses critérios para escolher um candidado torna-se altamente questionável. Ainda que todas as respostas fossem sim, eu continuaria afirmando que dependeria. É honesto? Tem consciência e engajamento político? É coerente? É competente? Afinal de contas estou elegendo um prefeito e não um presbítero.
Continuarei me opondo a todo esse lixo de fisiologismo político que sobe e discursa em púlpitos, panfleta na porta dos templos e usa institucionalmente denominações, sempre sustentado pela alienação do ópio religioso que drogou grande parte da igreja brasileira, fixando seu olhar sobre o próprio umbigo, contribuindo para a exibição de uma tosca caricatura de cristianismo diante de uma sociedade corrompida que geme pela revelação dos filhos de Deus.
Homenagem a Deus
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