quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Deserto

Por Robson Wellington

Procurou durante muito tempo algo que pudesse servir de consolo, ou apenas identificação com sua experiência de deserto. Ouviu que as motivações erradas do coração, a ausência de celebração e devoção, a indisciplina, a falta de compromisso com Deus, a prática de obras segundo seu coração, a incredulidade, uma mente mundana, os relacionamentos inadequados e as falhas na santificação são características gerais dos crentes que vivem no deserto. A maioria dos sermões que ouviu, dos livros e artigos que leu, dizia resumidamente, que o deserto espiritual é a figura dos crentes carnais citados no Novo Testamento. Acabou mais angustiado.

Os religiosos possuem uma certeza assustadora. Como julgam saber toda a verdade, cheios de empáfia, pensam ser capazes de discernir todos aqueles que ainda não a alcançaram e de prescreverem seus dogmáticos medicamentos desumanizadores, para levá-los de volta à sua verdade! Muitos desenvolveram uma espiritualidade que não tem lugar para dor e sofrimento. O ideal a ser perseguido é o do super-crente, do filho do Rei que ora e melhora, que tudo pode naquele que o fortalece. O deserto espiritual é uma contradição que precisa ser eliminada.

Nossa sociedade possui raízes no hedonismo que ensina a buscar no prazer o sucesso do ser. A “moral cristã” substituiu o prazer pela alegria santa, pelo êxtase religioso, mas manteve sua maldição sobre a tristeza. Carregamos certa culpa pelo prazer do corpo e muita culpa por qualquer dor ou sofrimento que não tenha uma causa aparente aceitável. Ou seja: o sofrimento causado pela morte de uma pessoa querida é até justificável, mas períodos de sofrimento causado por algo abstrato é sempre rotulado como fruto de pecado, falta de fé ou opressão maligna. No entanto, a popular promessa religiosa de uma vida acima do bem e do mal não é uma verdade prática, além de ser uma perversão do ensino do Evangelho sobre a vida cristã.

Esse tipo de argumentação, mesmo sendo a da maioria, não foi a única encontrada. Uma minoria alardeava o extremo oposto. Dizia que o deserto é o melhor lugar para se estar, a escola de Deus, uma obra de Deus para onde ele envia seus eleitos, um terreno a ser buscado de acordo com vários exemplos dentro do ideal monástico. O grande problema desse argumento é que ele simplesmente não funciona. Dizer que algo ruim e doloroso é bom e agradável, não o torna bom e agradável, como se a simples negação ou confissão positiva pudesse milagrosamente fazer alguma diferença. Apenas um desvairado que não está com a navalha na carne poderia sugerir algo desse tipo. A solução, também não estava no cultivo de algum tipo de piedade desencarnada, tampouco, de atitude conformista.

Concluiu que as respostas que a religião oferecia apresentavam Deus, Cristo e a Bíblia, todos sem a graça. Eram respostas que não eram respostas ou eram apenas areia no deserto. Aceitá-las só aprofundaria a situação e inviabilizaria qualquer possibilidade de esperança. O consolo e identificação não foram encontrados. Então, desistiu da busca, entrou na caverna. Paradoxalmente, foi exatamente nesse momento, que percebeu que seu desejo desesperado de fugir do deserto acabou o separando de si mesmo. Na busca por receitas e conceitos, havia se divorciado do que era essencial e fundamental em sua própria existência. Então, se aquietou. Era preciso um duro reencontro consigo mesmo. Procurou desnudar seu coração e encarar no espelho todas as suas idiossincrasias. O deserto estava nele. E ele estava no deserto.

Deserto pode ser mais do que uma grande extensão de areia com pouca água. Deserto pode ser um estado espiritual. Um estado espiritual de esgotamento, onde não encontramos forças, nem motivações para continuar. Deserto pode ser uma região desabitada. Deserto pode ser um profundo sentimento de solidão. Uma solidão em relação a Deus, aos outros e a nós mesmos. Deserto pode ser quando caminhamos através de um vale escuro de uma vida sem sentido, cheia de dores, questionamentos e inquietações. Um caminhar que a cada passo faz crescer a nossa aversão pela nossa própria indiferença, fraqueza, hostilidade e falta de direção. Um caminhar frustrado por ver que dia após dia, ano após ano, o padrão de perfeição e santidade não foi alcançado, quando compulsões e pecados antigos reinam dentro de nós como reinaram antes, quando o desespero destrói toda a alegria e coragem. Deserto pode ser a sensação de que tudo está velho, desgastado e sem vida. A sensação de que tudo aquilo que nos alegrava, já não nos alegra mais. A música, o sermão, a leitura bíblica, a oração, o evangelismo, as reuniões, tudo se torna vão e enfadonho.

As suas feridas ardiam e as suas lágrimas rolavam pela exposição dos ressentimentos com Deus e com os outros; da mediocridade e hipocrisia; das quebras de lei interiores, nas concessões à estrutura; da necessidade de aceitação; da adesão ao ativismo religioso; da desenfreada busca de êxtase, modelos, receitas e conceitos; da constante insatisfação; do medo das comparações, de não conseguir manter as aparências, de não alcançar o alvo e de não ter sucesso. Em completo quebrantamento, na noite escura dos sentidos, no colapso de todas as certezas, na total falência de todo apoio humano, de repente, um murmúrio de uma brisa suave irrompe o silêncio da caverna, sussurrando: “Você é amado. Você é aceito. Você é meu. Não procure nada; não faça nada; não pretenda nada. Aceite simplesmente o fato de que você é amado; você é aceito; você é meu!”.

A imensa doçura e profundidade dessas palavras remeteram seus olhos imediatamente para o “homem de dores e que sabe o que é padecer”, para aquele que disse que “a minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal”. Por uma fé doada uniu-se ao sofrimento de Cristo. Por um momento, não estava mais na caverna, estava no Calvário. A dor; o sangue; as feridas; a coroa de espinhos; a zombaria. Ali contemplou Jesus, abandonado pelos seus amigos; abandonado pela natureza, onde até o sol se escondia; abandonado pelo Pai. “Meu Deus! Meu Deus! Porque me abandonaste?” A paixão de Cristo, na experiência de ser abandonado por Deus recebe um significado novo, central e profundo.

Enfim, o consolo e identificação são encontrados no Deus que passou pelo horror humano do pessimismo na sexta-feira da Paixão. A redescoberta de Deus veio acompanhada pela arrebatadora esperança da ressurreição no domingo de Páscoa. Um poderoso sopro de graça e esperança. E nada foi demandado dessa experiência, nada senão aceitação.

3 comentários:

Anônimo disse...

Sou do meu amado e Ele é meu! que maravilha ouvir isso!
E como é bom saber que Ele sabe, né?
E melhor ainda saber que Ele, de fato, foi abandonado e se sentiu abandonado e sabe o que é isso quando também nos sentimos assim...
que vento forte é esse o da Esperança daquele domingo!!! É vento que torna o sol do deserto bem mais ameno, né??
Gostei muito da história desse carinha!! me identifiquei e aprendi também! nunca tinha pensado nos monastérios dessa maneira!
acho que o meu comentário já tá ficando muito grande! haha
abraço, mano!!

Lily disse...

gsotei do parágrafo que fala sobre deserto... é assim mesmo..talvez assim que esteja já um tempo. Resumiu tudo.

Acho q estou crescendo.. tantos questionamentos!

é isso...
besos

Robson Wellington disse...

Lily e Alexandre

Que bom que vocês se identificaram com a história desse carinha que é um velho conhecido meu hehe. Sim, os desertos são difíceis mas também produzem coisas boas. Perceber isso é uma bem-aventurança!

Deus agracie!

Robson Wellington