sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Primavera da alma

Por Eliel Moura

Ela soube da morte da irmã mais velha quando tinha seis anos de idade. Voltava da escola e observou sua casa cheia de gente. Viu que todos choravam e também começou a chorar mesmo sem saber o que havia acontecido; era só uma criança. Na casa a irmã mais velha era como uma mãe para ela, entretanto fora assassinada a tiros pelo próprio marido. Foi sua grande perda. Desde então, sempre quando ia da escola para casa, perguntava às pessoas na rua se haviam percebido muita gente em seu lar. Isso se tornara um sinal de problemas. Só depois de certificar que a situação era normal é que voltava, fazia isso sempre. Tinha medo de que em seu retorno tivesse novamente outra trágica notícia.

Um ano depois a casa estava novamente cheia. Outra irmã, quase com sua idade, morrera queimada num acidente na casa. A luz faltou, a lamparina acesa e a inexplicável constatação de que a perda novamente assolara aquela família. Ela viu quando a pequena irmãzinha em chamas gemia por socorro. A irmã ficou três dias no hospital e ninguém precisou lhe dar a notícia, viu de novo o domicílio repleto de parentes, vizinhos e amigos. A menina não resistira às queimaduras.

Ouvi essa história e fiz força para apreender qual sentimento e extensão de dor esses eventos causaram naquela jovem. Usei para isto as lembranças das minhas próprias aflições passadas, tentei rememorar os momentos mais difíceis por que passei para chegar a algo próximo do seu sofrimento. Identificação: uma palavra que pode descrever minha tentativa. Todos nós em diferentes circunstâncias já tivemos a alma quebrada e podemos, mesmo que de forma imperfeita, identificar-nos com alguém na sua dor. A cada detalhe da história eu podia me comover e ter compaixão daquela criancinha. Fui capaz de imaginar quão desesperada e insegura ela se sentira. Consegui ver seu mundo ruindo e seus sentimentos sendo duramente feridos. Desta vez não me detive em indagar sobre o porquê do sofrimento. Esta questão, uma das mais investigadas e debatidas pela cristandade no decorrer dos tempos, não foi o objeto da minha reflexão, não desta vez! Eu só conseguia pensar em como ela superara isso tudo.

Aquele que é “homem de dores e que sabe o que é padecer” (Is 53:3) se identifica conosco. Jesus Cristo de fato estava envolvido na história de superação daquela jovem, esteve na minha e na sua também. Quando estamos no apogeu da dor e da crise, as dramáticas perguntas questionando as causas do problema tornam-se nosso objeto principal de avalio; porém, os experimentados nas dores começam a calar-se. Descobrem e aproveitam os outrora inefáveis caminhos de Deus que nestes episódios são revelados. O silêncio de Jó é paradigmático para nós, devemos aprender com ele. Representa a descoberta da soberania e sabedoria de Deus, foi o ato de desistência das conjecturas inférteis e caducas resultantes do desespero. Assim Jesus também caminhou como um cordeiro mudo rumo à crucificação. Esse silêncio é mais profundo do que a inexistência de som e palavras, não é passar simplesmente por um dilema calado, é sim uma disposição da alma. É ver Deus como o doador e sustentador da nossa vida em todas as circunstâncias.

Para aqueles que Nele esperam, vem sempre o dia da luz quente aquecendo a terra em sombra. o momento em que a mais profunda dor é redimida e se torna aliada. A primavera da alma é o tempo em que tudo começa a fazer sentido de novo. É quando de joelhos agradecemos a Deus pela sua espantosa inteligência e bondade. Todos os Seus planos são perfeitos e de novo o silêncio se torna a mais correta adoração. É um evento tão sublime! Os que passaram pelo processo não pediram para entrar nele, não gostariam de vivê-lo de novo, entretanto concordarão que se tornaram pessoas melhores depois dele. Uns mais ousados poderão até lhe dizer que foi uma bênção, uma dádiva de Deus. Sim, a etapa final deste ciclo cristão universal por que todos um dia passaram ou passarão é majestosa. É um tempo onde as últimas peças do quebra-cabeça começam a ser encaixadas e a bela figura enfim vem à tona! Não há ninguém que não se sinta renovado, vitorioso e fortalecido dentro de si no florescer desta estação esperançosa e cheia de apaziguamento. A Bíblia chama de feliz aquele que chora, porque chega o dia em que é consolado (Mt 5:5).

Um número enorme de cristãos está sendo enganado. Muitos andam armados tentando salvar a própria vida, achando que tudo que foge a uma existência próspera e pacata não faz parte da dinâmica espiritual. Infelizmente quando chega a tempestade, que de fato chega a todos, são estes os que enlouquecem ou se desesperançam. São como os amigos de Jó, buscando sempre uma explicação, um erro ou uma falha para justificar os acontecimentos. Precisamos nos afastar destes falsos padrões. Certamente não são fáceis os dilemas e desajustes do período de sombras, mas o que tenho visto é um número incontável de pessoas vencendo essas fases. Dessas vidas que devemos nos cercar. Elas são para nós como o brilho distante do farol, que mesmo ainda longe certifica que para além há terra firme! São a prova empírica de que Deus é misericordioso e de que tudo vai dar certo!

Para os que ainda estão em aridez, a notícia é de que a jovem não tem mais medo do saque e do roubo da morte. Já não caminha traumatizada e insegura quanto ao que poderá acontecer consigo e com aqueles a quem ama. Jesus entrou na sua vida e venceu a morte. Sua história e tragédias pessoais sem dúvida a marcaram, afetando-a indelevelmente. Mas estas lembranças e eventos são sinais da glória e do poder de Deus na sua vida, não devem mesmo ser apagadas! São as amostras da maravilhosa redenção que existe no nome de Jesus. Mesmo diante de tudo que nos ocorre, Ele continua prometendo que tudo contribuirá para o nosso bem. Ter bom ânimo, acreditando que chegará o dia da primavera da alma para nós, é nisto que devemos nos apegar!

3 comentários:

Robson Wellington disse...

Belo post! Experimentar o divino naquilo que é humano é a graça de ser fraco, é a força de ser gente em Cristo.

Abraço meu amigo!

Robson Wellington

Alexandre de Sá disse...

"Sim, a etapa final deste ciclo cristão universal por que todos um dia passaram ou passarão é majestosa. É um tempo onde as últimas peças do quebra-cabeça começam a ser encaixadas e a bela figura enfim vem à tona!".

Demais!!! E as vitórias nos dão maturidade pra passarmos por outra etapa... rs
Porque depois da primavera tem verão, outono e inverno...
Como se o quebra-cabeça fosse montado; logo depois, desmontado. Porque Deus quer nossa maturidade.

"...Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido." [I Cor. 13:12]

Muito bom!!
Abraço!

Lily disse...

FAses de maturidade! blhah!!
Por que temos que sofrer para chegar lá?

Precisamos, eu em especial, ser vencidos pelos pensamentos de Deus e seu agir único.

Que Deus é este q a gente serve? Age de uma forma tão esquisita na vida daqueles que Ele ama?

Primavera... sim Eliel, ainda existem pessoas que vencem porque deixam o Senhor segurar firme em suas mãos e os levarem a bom termo e lá, relatarem : - como foi bom passar por tudo e ser com Cristo mais que vencer! Esse é o nosso Deus!

Tudo por nós, pelo nosso bem! Mas nestes momentos difíceis a nossa carne nos faz esquecer disto.
Graça.