terça-feira, 3 de março de 2009

As bobagens de conhecer-se

Por Eliel Moura

A cerrada neblina parece palpável. O movimento da mão age no sentido de tocá-la para recolher uma amostra. Não restarão muitos indícios de tal ocorrido. Está frio. Mais alguns passos e já se não enxerga nada. Hesitando e sempre avante, ali está, mergulhado na odisséia do auto-descobrimento. Um guia na mochila assevera a importância desta jornada e prioriza alguns itens fundamentais! Entre eles, um grifado em vermelho: “vá o mais fundo que você puder”. A aparente viagem solitária é uma maratona de multidões, cada qual com seu exclusivo roteiro, mas com os mesmo objetivos. À medida que caminha vai encaixando as peças, mexendo aqui, iluminando ali e realmente acreditando num sentido para as coisas.

A condensação que trás as nuvens do céu à terra é agora um lugar de devassa. Anotações por todos os lados, eventos supostamente resguardados na lógica aristotélica e a empolgante sensação de que o mistério é um rei sem trono. “Você consegue ver? Consegue entender agora?”. Devotada platéia acompanha os desdobramentos e adiciona novos elementos a trama! Ninguém questiona a enfadonha marcha. Em cada passo, mais “impressionantes” e vazias descobertas juntam-se a montanhas de informações. Por que tanta gente naquela trilha que sai do homem e morre nele? Sim, é claro, o misticismo corrente também abre alas para eventuais investidas celestes, que fecham elos difíceis de se conciliar. Mas não é bem um sentido vertical a questão.

Ainda ele, mergulhado em si mesmo. Corpo cansado. Nas olheiras o símbolo da persistência, nenhum episódio pode ser perdido! O caminho viciou o peregrino e sua visão, depois de tanto tempo na névoa, é sem horizontes. Sua teoria, assustadoramente, só faz sentido para ele, não há mais ninguém que tenha visto o que ele viu. A tarefa de fazê-la compartilhada já o consome e o algema: ele é escravo do que desvendou. Os espasmos e delírios o levam para a densidade por onde se aventurou, mesmo já num dia limpo de céu azul. Ali estão outros tantos, com lanternas nas mãos, vasculhando o que se propagou digno de ser achado. A energia daqueles focos de luzes alimentaria uma cidade inteira e realmente traria certo tipo de revelação, mas para eles, neste momento, não há vida além da obscuridade.

O que afinal se solidificou no caminho? Nada de experiências fechadas ou conclusões definitivas. Algo, entretanto, carimba o roteiro de volta. Uma límpida impressão de que a força despendida na “cartografia do ser” deve outras tantas, perder força e ceder a uma viagem descentralizada de si. Quando o esporte se torna muito conhecer-se e decifrar-se, o troféu nada mais é do que voláteis assertivas sobre o indomável. “Um cego e seu mapa!”, ironiza o peregrino.

Já agora, ele enfadou-se do abismo que chama outro abismo e preferiu de vez em quando sair do lugar nebuloso que o envolve. Ele chama outros mochileiros a focar suas lanternas em outros pontos - talvez não tão legítimos quanto os audíveis clamores do interior, porém eminentemente preciosos. Inaugura também uma cruzada contra a mecânica exploração do nevoeiro. Põe placas na entrada, salientando sobre a necessidade do Guia, que percorre e conhece todos os caminhos - reza a lenda de que na verdade é tudo sobre Ele, o mais sagaz explorador que já chegou ao outro lado e deixou uma vereda. Por fim, num último esforço, insiste em propagar que um nevoeiro, enquanto configurar-se como tal, será sempre uma úmida densidade de baixa visibilidade.

Um comentário:

Robson Wellington disse...

Eliel,

Tive que ler e reler duas vezes mas acho que captei a mensagem hehe. Apesar de não achar tantas bobagens no conhecer-se, concordo totalmente que devemos focar nossas lanternas em outros pontos "talvez não tão legítimos quanto os audíveis clamores do interior, porém eminentemente preciosos" e que o Guia é fundamental. O auto-conhecimento não deve transformar-se num egocentrismo mórbido. Bela lição!

Abraço!

Robson Wellington